Título: Mantega ameaça interpelar Serra
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2005, Política, p. A6

O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), afirmou ontem que os controladores da Eletropaulo evitaram cobrar dívidas da gestão passada da prefeitura, controlada pela petista Marta Suplicy, interessados em obter vantagens do BNDES , que detém quase 50% do capital da empresa. "Acontece o seguinte: a AES, que é dona da Eletropaulo, é uma empresa virtualmente quebrada e o BNDES socorreu a empresa com dinheiro público. Evidentemente, eles não podiam tomar medidas contra a gestão anterior do PT, que deu calote, porque senão, estariam criando um clima de má vontade no BNDES", afirmou o tucano. Anteontem, a empresa distribuidora cortou a luz de 85 prédios da prefeitura. Em na favela Tolstoi, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, o prefeito José Serra acusou a Eletropaulo de ter sido "arbitrária, truculenta, arrogante e equivocada". O prefeito disse ainda que, quem deu calote na Eletropaulo foi a administração Marta Suplicy. Serra acusou ainda a Eletropaulo de "arrogância típica de empresa estrangeira": "Isso é muito próprio, inclusive, de uma empresa estrangeira que é comandada de fora e que não hesitou em cortar luz elétrica de postos de saúde - um ato desumano de um dono que não está no Brasil". O presidente do BNDES, Guido Mantega, reagiu de maneira dura. Afirmou ontem que irá interpelar judicialmente a prefeitura de São Paulo. "É uma ilação estapafúrdia feita por alguém mal-intencionado", atacou. O prefeito não foi o único tucano a atacar o presidente do BNDES ontem. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou que o banco está perseguindo a administração estadual, ao não conceder novos empréstimos para o Estado. "Temos acesso a linhas externas, mas não conseguimos ter acesso ao banco de financiamento do nosso próprio País", afirmou. Alckmin queixou-se do BNDES não conceder um financiamento de R$ 390 milhões para o pagamento de juros e correções referentes ao financiamento da linha 2 do metrô. Ontem, Mantega respondeu apenas ao prefeito: "A respeito da declaração do prefeito José Serra de que o BNDES usou dinheiro público para socorrer a Eletropaulo, devo dizer que é verdade. Mas quem socorreu, emprestando dinheiro à AES (empresa norte-americana que controla a Eletropaulo) para comprar a empresa na privatização, foi o governo Fernando Henrique Cardoso, do qual ele (Serra) participava. Não sei se ele concordou, mas ele estava lá, fazia parte do governo", disse. O presidente do BNDES disse que a ação do banco no atual governo (durante a gestão de Carlos Lessa) foi apenas de fazer um acordo de participação acionária como forma de salvar o dinheiro emprestado, uma vez que a AES ficou inadimplente e sem condições de pagar. "Para não perder dinheiro público, nós transformamos o empréstimo em participação acionária", disse. A Eletropaulo foi privatizada em 1998, adquirida pela AES com financiamento do BNDES. Em 2000 o banco fez outro empréstimo à empresa norte-americana para a compra de ações preferenciais da Eletropaulo. Em janeiro de 2003, quando a dívida total originária dos dois empréstimos somava US$ 1,2 bilhões, a AES interrompeu o fluxo de pagamentos, tornando-se inadimplente. Em dezembro do mesmo ano, após um tumultuado processo de negociação, foi criada a empresa Brasiliana para gerir a Eletropaulo e outros ativos da AES no Brasil, passando o BNDES a ser sócio dessa empresa, com 50% do capital menos uma ação. Uma parte da dívida foi refinanciada. Embora o BNDES tenha assento no Conselho de Administração da Eletropaulo, Mantega disse que o banco não tem interferência direta na gestão nem da empresa e nem da de nenhuma outra das "mais de 180" nas quais ele detém participação acionária: "O banco não se intromete na gestão da empresa. Não sei se isso (o corte de luz) foi legal ou ilegal e nem quero saber". No tiroteio entre tucanos e paulistas ontem, o governo municipal também foi acusado pelos petistas de mentir ao afirmar que pagou a conta de luz no mês de fevereiro, referente à janeiro. Com base em dados do sistema de execução orçamentária da prefeitura, o vice-líder do PT na Câmara dos Vereadores, Paulo Teixeira, afirmou que não houve empenho de um centavo sequer para o pagamento do serviço da Eletropaulo até 28 de fevereiro, mesmo com a prefeitura mantendo R$ 2,1 bilhão disponíveis em caixa. "Há uma estratégia do governo municipal em fazer caixa não pagando contas", disse o vereador. (Colaborou César Felício, de São Paulo, com agências noticiosas)