Título: Para Alckmin, "perseguição de Lula passou dos limites"
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2005, Política, p. A6

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), acusou ontem o governo federal de perseguir sua administração. Segundo Alckmin, "o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou dos limites". Os dois encontraram-se ontem em evento comemorativo dos 125 anos de imigração libanesa no Brasil, no Clube Monte Líbano, em São Paulo. O governador- mais forte presidenciável tucano - decidiu dar tratamento político à decisão do governo federal de seqüestrar recursos do Estado depositados em contas do Banco do Brasil, para o pagamento de dívidas não saldadas pela Vasp, das quais o governo paulista, antigo controlador, era o avalista. O governo federal seqüestrou ontem R$ 57 milhões das contas do Estado de São Paulo do Fundo de Exportação, que compensa a desoneração promovida pela Lei Kandir. O bloqueio foi feito por ordem da Secretaria do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil e seria feito todos os dias, até que se inteirasse R$ 590 milhões de recursos bloqueados, que é o que a STN cobra da estatal. Alckmin (PSDB), conseguiu a devolução dos recursos ontem mesmo, por meio de uma liminar concedida pelo ministro do STF, Cezar Peluso. Ao comentar o caso, Alckmin afirmou que considera o diálogo com o governo federal sobre o assunto temporariamente suspenso. "As tratativas que tive que fazer, fiz ontem (anteontem). Felizmente, tenho a guarida do Poder Judiciário", disse. Na visão do governador, a atitude do governo federal caracteriza perseguição, entre outros fatores, por não ter tido aviso prévio. A STN tomou a decisão de fazer o seqüestro no dia 29. Mas Alckmin só foi avisado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, na manhã seguinte, em um telefonema definido pelo governador como "totalmente inusitado". Segundo relato de Alckmin, Palocci ligou às 8h do dia 30 para tratar de outros assuntos, como as dificuldades para capitalizar a CESP. No final da conversa, teria mencionado o bloqueio das contas, como se fosse um fato já conhecido pelo governador. Logo a seguir, o secretário da Fazenda, Eduardo Guardia, foi oficialmente comunicado. Alckmin e Palocci teriam conversado ao longo do dia diversas vezes e, no final do dia, acertado o desbloqueio dos R$ 25 milhões e a ida de Guardia para negociações em Brasília. Mas o secretário da Fazenda não conseguiu marcar reunião com os técnicos do STN e foi surpreendido com o novo bloqueio. "São fatos que considero graves para o país, para a sociedade e para a democracia. Não é possível ser perseguido desta maneira, absolutamente autoritária e arbitrária. A democracia exige tratamento respeitoso entre os entes federados. É preciso deixar claro que a injustiça cometida contra um é ameaça a todos, afirmou Alckmin, que listou outros fatos para sustentar sua tese de perseguição: a recusa do BNDES de conceder novos financiamentos ao Estado e as dificuldades criadas pela mesma autarquia para uma operação de capitalização da Cesp. O governador ainda levantou a suspeita de o governo estar procurando favorecer o grupo Canhedo, controlador da Vasp, com a decisão. Caso Canhedo ganhe na Justiça o direito de fazer encontro de contas com créditos que tenta ver reconhecidos legalmente, teria um passivo menor a ser coberto. Nas últimas semanas, dirigentes da oposição começaram a acreditar em uma operação coordenada pelo Palácio do Planalto para atingir os presidenciáveis da oposição. A operação teria começado pelo ataque de Lula ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em fevereiro, durante discurso no Espírito Santo. A operação teria tido sequência com a intervenção em hospitais públicos no Rio de Janeiro, cidade governada pelo presidenciável Cesar Maia (PFL). Foi também a razão para o envolvimento do Planalto na eleição do pefelista Rodrigo Garcia para a presidência da Assembléia Legislativa de São Paulo, derrotando o candidato do governador ao cargo. Ontem, a determinação no ministério da Fazenda era de não se fazer qualquer comentário público sobre a reação do governador paulista. O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, combinaria com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que já havia embarcado para Madri, se haveria alguma comunicação oficial hoje sobre o caso. A interlocutores, porém, Levy deixou claro que é fato público que o governo de São Paulo é garantidor de dívidas da Vasp e que, ao determinar a execução dessas garantias, ele não estava expressando qualquer disputa política entre o governo do PT e o governador tucano. Estava apenas cumprindo as determinações do contrato assinado entre governo estadual e o Tesouro Nacional, que tem força de lei, ainda na época da privatização da companhia aérea. A polêmica judicial começou em 26 de setembro de 1990, dias antes da Vasp ser privatizada. Em negociação com o governo federal, a dívida externa da empresa foi federalizada, ficando o Estado de São Paulo como avalista. Quatro anos depois, a União conseguiu securitizar a dívida e a Vasp entrou com uma ação judicial pedindo que os descontos obtidos com a negociação dos papéis também beneficiasse a empresa. Com base nesta ação, que contestava o montante devido, a Vasp bloqueou judicialmente por sete anos e meio a cobrança desta dívida. Há um mês, a União conseguiu derrubar a liminar a favor da Vasp junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ao invés de cobrar diretamente da devedora, que está inativa, preferiu agir contra o avalista. Na quarta-feira, bloqueou R$ 25 milhões no FPE do Estado. Depois da conversa entre Palocci e Alckmin, este montante foi devolvido ao cofre estadual, mas ontem foi feito o novo bloqueio de recursos do Fundo de Exportações. Para conceder a liminar a favor de Alckmin, Peluso lembrou que o montante total da dívida de R$ 590 milhões é objeto de contestação judicial. "Não esclareceu a União como chegou ao montante invocado do débito da Vasp, nem lhe discriminou origem e natureza de parcelas, tomando medida unilateral, drástica e, ao que parece, excedente aos termos negociais", escreveu o magistrado. Ele determinou a citação da Advocacia-Geral da União (AGU) e a notificação do processo ao Tesouro Nacional para que retome os repasses ao governo paulista. A AGU informou que irá analisar a decisão de Peluso antes de tomar qualquer atitude. No evento do Monte Líbano, o presidente do PT, José Genoino, disse que o PT "não quer tensão nem antecipação da disputa eleitoral". Para ele, a agenda do governo é completar a reforma tributária, o que exige ampla negociação com os governadores. (Colaboraram Claudia Safatle e Juliano Basile, de Brasília, e Cristiane Agostine e Sérgio Lamucci, de São Paulo)