Título: OMC realiza eleição em clima de suspeitas
Autor: Assis Moreira De Genebra
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2005, Brasil, p. A3

A escolha do novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) começa a ser feita hoje pelos 148 países-membros num ambiente de suspeitas, batalha de rumores e nenhum grande favorito. Dos quatro candidatos, três são de países em desenvolvimento: o brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa, o uruguaio Carlos Perez del Castillo e Jaya Krishna Cuttaree, de Ilha Maurício. A lista é completada pelo francês Pascal Lamy, apoiado pela União Européia, maior bloco comercial do planeta. O diretor-geral da OMC tem um staff de 600 funcionários e orçamento de US$ 130 milhões, três vezes menor que o da ONG ecológica World Wide Fund (WWF). Dependendo de sua personalidade e apoio político, o diretor-geral pode ter papel importante para levar os países a acordos sobre regras e evitar conflitos. A partir de hoje, cada país será recebido pela presidente do Conselho Geral da OMC, a embaixadora do Quênia, Amina Mohamed, para indicar suas preferências, numa prática conhecida como "confessionário". Mas ao detalhar as regras do jogo, na semana passada, Amina alimentou suspeitas de que o processo pode ser desvirtuado.

Os candidatos a diretor-geral da OMC: Pascal Lamy, ex-comissário de Comércio da UE Até agora, a percepção geral era de que os países deveriam apontar mais de uma preferência para facilitar a formação de consenso em torno de um nome. Um candidato pode chegar em primeiro lugar, mas também ser fragilizado com objeções de outros. E pode ocorrer de um nome apontado como segunda preferência surgir como o melhor posicionado para obter consenso. No entanto, a embaixadora queniana afirmou a alguns países que quem quiser pode apontar uma única preferência. Isso significa, para certos negociadores, empurrar para votação e tratar como iguais as indicações da China e de Belize, por exemplo. Assim, os 70 votos dos países ACP (Africa, Caribe e Pacifico), sem expressão no comércio mundial, teriam mais peso que China, Índia e outros emergentes, capazes de vetar nomes num processo normal de busca de consenso. Outros negociadores acham que as suspeitas não têm sentido e que o mandato é claro sobre a busca de consenso. O fato é que, se vigorar o processo "por contagem", já haveria a eliminação de um candidato até a semana que vem. Em nova rodada de consultas, seria degolado mais um na semana seguinte. "Lamy é quem ganha com isso´", estima um representante latino-americano. "O Quênia está com Lamy", completa.

O uruguaio Carlos Perez del Castillo Ao mesmo tempo, acumulam-se rumores. O mais forte dá conta de suposta barganha entre Estados Unidos e a União Européia: os europeus teriam aceitado Paul Wolfowitz para a presidência do Banco Mundial em troca do apoio de Washington para Pascal Lamy na OMC. Já o candidato de Ilha Mauricio, Jaya Cuttaree, não consegue assegurar o apoio de todo o bloco ACP e vem perdendo a diplomacia. Acusa Lamy, que lhe toma votos na Africa, de trair os países pobres. Apareceu de surpresa em Nova Délhi durante a reunião ministerial do G-20 e anunciou aos jornais que a Índia o apoiava, contrariando a posição de Nova Délhi a favor do candidato brasileiro. Cuttaree chegou a anunciar, durante reunião dos países ACP, que Seixas Corrêa iria abandonar a disputa. Diplomatas da Ilha Maurício acabaram pedindo desculpas aos brasileiros. Em Londres, a casa de apostas Ladbrokes, a maior do mundo, dá Castillo como favorito, seguido de Lamy. Na realidade, negociadores admitem ligeiro favoritismo de ambos, mas alertam que as diferenças são pequenas e insistem que pode haver surpresas.

Jaya Cuttaree, ministro de Comércio da Ilha Maurício Em Genebra, não se descarta uma "virada de mesa" em caso de impasse e se mudar rapidamente as regras para fazer surgir um novo candidato. Os nomes mais citados são o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo e o ministro da África do Sul, Alex Erwin. Se a candidatura Seixas não decolar, a hipótese de um quinto candidato evitaria ao Brasil uma de suas mais humilhantes derrotas diplomáticas. Afinal, o país lançou Seixas porque rejeitava o uruguaio Castillo, acusado de trair o G-20, e tambem já indicou que não quer Lamy. O Itamaraty recentemente divulgou nota acusando o francês de não estar a altura do cargo na OMC, depois que ele defendeu a Amazônia como um bem público mundial. O que surpreende muita gente é como o Brasil, após lançar Seixas Corrêa, deixou a candidatura de Castillo prosperar. Para analistas, Brasília não soube ou não quis exercer o poder regional que imagina ter. Só restará, na hipótese de eliminação de Seixas, vetar formalmente Castillo ou rezar por novo candidato. As negociações da Rodada de Doha vão prosseguir, mas nas próximas semanas as atenções na OMC estarão voltadas para a sucessão de Supachai Panitchpakdi