Título: Obstáculos petistas à reeleição de Lula
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2005, Política, p. A4

O maior obstáculo à reeleição do presidente Lula é o seu próprio partido. Outros fatores podem reduzir suas chances de vitória, como um grande escândalo de corrupção, um erro administrativo similar ao "apagão" ou uma crise internacional de enorme proporção, embora, neste último caso, valha a pena avisar: adotar a estratégia do jogo de soma-zero num momento de instabilidade tende a diminuir, em vez de aumentar, a credibilidade da oposição junto aos formadores de opinião. Até agora, o Partido dos Trabalhadores não acertou seu eixo interno para planejar seus próximos passos na luta pelo poder. Na verdade, Severino e seus "bagrinhos", o "Centrão" e o PMDB são problemas bem menores comparados às dores de cabeça que o PT tem trazido para o Governo e ao projeto de continuidade presidencial de Lula. Antes de ser presidente, Luiz Inácio da Silva foi líder praticamente inconteste dentro do PT. Mas o foi, em boa medida, porque sua visão oposicionista congregava seus partidários em torno de um projeto, no qual, aparentemente, todos os grupos petistas ganhariam. Na hora em que se chegou ao poder, três questões dividiram o partido. A que primeiro abalou a legenda foi o conteúdo das políticas do Governo Lula, com destaque para a reforma da Previdência e a política econômica. Depois de tantos anos criticando a gestão de FHC, a nova administração descobriu que muitas coisas teriam de ser continuadas ou aprofundadas, e as diferenças teriam mais sucesso de ser realçadas quanto mais houvesse competência em gerir e melhorar a agenda iniciada na década de 1990. O resultado imediato do conflito entre as ações do Executivo federal e o partido foi traumático, culminando com a expulsão de alguns de seus parlamentares. Hoje, as divergências acerca dos projetos governamentais diminuíram, mas não acabaram, e ganham destaque em momentos de luta pelo poder dentro da base governista. O PT torna-se uma pedra no sapato do presidente Lula também porque não digeriu a idéia de coalizão governamental. Os petistas, em sua maioria, ainda não perceberam que não chegaram ao poder sozinhos, e muito menos têm condições de governar sem o apoio e, principalmente, o compartilhamento dos bônus governamentais. Tudo bem que seja muito difícil para integrantes históricos do partido repartir a mesma mesa com aqueles que ontem eram chamados de fisiológicos e clientelistas. Só que a experiência dos governos democráticos pressupõe a negociação, o diálogo e, quando não se tem maioria, a coligação entre os partidos, algo que é quase um axioma no sistema político brasileiro. Um recado deve ser frisado ao Partido dos Trabalhadores: ter uma coalizão frouxa tem atrapalhado o presidente Lula, mas não inviabilizou sua gestão, ao passo que a fragilidade das alianças nas eleições de 2006 poderá enterrar o projeto de reeleição. As dificuldades em torno do conteúdo das políticas do Governo Federal e da necessidade se montar uma ampla coalizão situacionista podem ser perdoadas como parte de um processo de aprendizado. Afinal, não há como negar que o PT é composto, em boa medida, por gente muito bem intencionada, que teve um papel importantíssimo na construção da democracia brasileira e, ademais, geralmente exerceu com qualidade a gestão pública em vários municípios e estados. Imperdoável, contudo, é a visão estreita e individualista que tem tomado conta de diversas lideranças petistas. As lutas intestinas na Esplanada dos Ministérios, o predomínio da lógica partidária regional sobre o projeto nacional e, pior, a disputa de egos em alguns estados revelam que o PT é menos partido, nos termos de uma agremiação política coerente e orgânica, do que se gabava. Tal comportamento assemelha-se mais à tradicional cultura política do país, baseada no personalismo e pouco orientada pela impessoalidade das regras e instituições, como já ensinou o historiador Sérgio Buarque de Holanda, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.

PT deve definir logo a sucessão paulista

O maior exemplo disso é a eleição em São Paulo. Até agora, havia três candidatos declarados: o senador Aloizio Mercadante, a ex-prefeita paulistana, Marta Suplicy, e o deputado João Paulo Cunha. As revistas e os jornais deste final de semana revelaram que os ministros Antonio Palocci e José Dirceu também podem entrar na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes. A briga entre eles já é o fator mais desagregador na arena partidária. Não se trata aqui de defender qualquer um dos candidatos, e nem tenho procuração para isso; todavia, o fato é quanto mais o processo demorar a ser resolvido, pior para a candidatura presidencial de Luiz Inácio da Silva. Conquistar o governo paulista é bom para o PT, mas não deve ser o objetivo central a perseguir. O mais importante é constituir uma candidatura capaz de trazer o maior número possível de votos ao presidenciável petista, uma vez que São Paulo é o principal colégio eleitoral do país. Nomes com alto índice de rejeição do eleitor paulista vão, por tabela, aumentar a repulsa em torno da figura de Lula. E o projeto nacional tem de estar à frente dos interesses pessoais e regionais num partido digno de receber tal designação. O presidente da República, como afirmei na última coluna, não terminou o processo de reforma ministerial, pois a necessidade de fortalecer a coalizão para o final do mandato e em prol da reeleição vai exigir mais mudanças. Só que seu maior problema é evitar que o PT se afunde nos conflitos internos, perdendo a perspectiva de poder, que necessariamente passa pelo sucesso da candidatura presidencial. Ou Lula entra firmemente neste jogo, mostrando que o partido poderá perder uma chance histórica e usando sua influência para escolher logo o candidato ao governo paulista, ou a oposição começa a ter chances reais de voltar ao Palácio do Planalto. Sorte dos petistas que os oposicionistas estão igualmente divididos e envoltos em disputas de egos tão grandes quanto as existentes no Partido dos Trabalhadores