Título: Brasil será um desafio para o novo papa
Autor: Dermi Azevedo
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2005, Especial, p. A10

"O Brasil precisa de santos", confidenciou recentemente o papa João Paulo II a um grupo de bispos brasileiros que o visitavam no Vaticano. Manifestava, assim, a sua preocupação com o aumento do indiferentismo religioso no Brasil, cuja imagem de "maior país católico do mundo" está cada vez mais abalada. De quase 100% de sua população integrada por católicos, em 1950, o percentual baixou para 73% no ano 2000, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE. Em 1950, 93,5% da população brasileira declarou-se católica e 3,4%, evangélica. Vinte anos depois, em 1970, o percentual de católicos baixou para 91,8%, e o de evangélicos subiu para 5,2%. Já em 1991, declararam-se católicos 83%, e evangélicos, 10%. No Censo de 2000, a percentagem de católicos diminuiu ainda mais, para 73%, e a de evangélicos aumentou para 15,4%. Paralelamente, a Igreja preocupa-se com a chamada pentecostalização do catolicismo brasileiro. A cada ano, a população católica reduz-se em um ponto percentual, e a maioria dos egressos opta por igrejas evangélicas. Nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro e em outras regiões metropolitanas do país, uma de cada quatro pessoas batizadas na Igreja deixou o catolicismo nos últimos 20 anos. A Igreja que o novo papa encontrará no Brasil continua fiel, na sua prática pastoral e administrativa, ao "princípio da subsidiariedade". Herdado das Ciências Sociais, esse princípio prevê que a instância superior de qualquer instituição só deve intervir nos assuntos das instâncias subalternas se essas não forem capazes de resolver por conta própria seus problemas. O único fracasso da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), nesse sentido, aconteceu nos anos 80, quando a entidade máxima da Igreja brasileira não conseguiu ajudar a superar pacificamente o conflito entre o Vaticano e o teólogo da libertação Leonardo Boff, sobre a questão do carisma e do poder na Igreja. O papel da CNBB, como uma das maiores conferências episcopais do mundo, é o resultado de um longo processo de planejamento estratégico, iniciado nos anos 50, com a atuação da Ação Católica e sob a liderança de d. Hélder Câmara. A partir desse momento, a Igreja no Brasil começou a viver uma mudança de paradigma, deixando progressivamente de lado a sua histórica aliança com os "donos do poder" e se aliando com a sociedade civil. A experiência vivida durante o regime militar (1964-1985) levou-a a consolidar essa parceria. Nos anos 60, a CNBB, em pleno processo de atualização, ligado às reformas do Concílio Vaticano II, optou pelo desenvolvimentismo. Posteriormente, nos anos 70, tornou-se uma severa crítica do modelo econômico adotado pelos militares, considerando que deixava em segundo plano os investimentos sociais. A reivindicação em favor de uma política econômica inclusiva e justa foi, aliás, um dos principais temas dos discursos do papa nas suas viagens ao Brasil. O novo papa certamente reafirmará o seu apoio às propostas da CNBB, reiteradas ao governo federal, em favor da reforma agrária, de medidas preventivas da violência, da superação da miséria e da inclusão social. Em um primeiro momento, tanto o papa João Paulo II, quanto a CNBB, analisaram a vitória de Lula como um sinal de algo novo no tradicional cenário político latino-americano e brasileiro. Hoje, essa posição mudou: a CNBB já pode ser incluída entre as organizações que se opõem, embora discretamente, à opção do governo Lula por uma política econômica ortodoxa, com um orçamento reduzido para os programas sociais. A Igreja que o novo papa encontrará no Brasil vive, hoje, um processo de transição. Suas principais referências no episcopado - tais como d. Eugênio Sales, d. Paulo Evaristo Arns e d. Pedro Casaldáliga - já se aposentaram. Novos bispos estão sendo nomeados, vários deles pertencentes à Opus Dei. As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) continuam a atuar de forma discreta, cada vez mais longe do PT, enquanto os movimentos carismáticos conquistam espaços cada vez maiores na pastoral católica. A CNBB preocupa-se com o impacto da modernidade sobre a realidade brasileira e com suas repercussões no campo religioso. Preocupa-se também com o avanço do fenômeno da "secularização" da sociedade, que se caracteriza pela desvinculação de seus diversos setores (econômico, social, político, científico e cultural) em relação à religião e à ética. Principalmente nas cidades médias e grandes, a religiosidade é vivida de forma individualista, segundo critérios subjetivos, com pouca ou nenhuma ligação com as instituições religiosas e com os movimentos sociais. Ainda no Brasil urbano, a Igreja constata que a crescente adesão às comunidades pentecostais e a outros grupos religiosos "fundamentalistas" revela uma rejeição da modernidade e a nostalgia da tradição rural. Nos seus encontros com bispos brasileiros, João Paulo II recomendou que a Igreja responda ao desafio de uma "nova evangelização", que consiga incluir, ao mesmo tempo, a fidelidade à doutrina tradicional e a abertura para os novos fenômenos ligados a uma sociedade cada vez mais complexa e multicultural.