Título: Democracia sob tensão
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2010, Mundo, p. 21

Em meio a ameaças de violência e denúncias de fraude, 30 milhões de eleitores renovam o Congresso, de olho na sucessão do presidente Uribe

Cerca de 30 milhões de eleitores colombianos vão às urnas hoje, em 1.102 municípios, para renovar as duas casas do Congresso Nacional. Ao todo, 2.539 candidatos de 11 partidos disputam 102 cadeiras do Senado e 166 da Câmara dos Deputados. A votação deve servir como termômetro para as eleições que escolherão o sucessor do presidente Álvaro Uribe, em 30 de maio. Os partidários do atual presidente esperam manter a maioria no Congresso, enquanto a oposição enfrenta o desafio de conservar os assentos conquistados. ¿Não há elementos que façam pensar que haverá uma grande surpresa capaz de modificar o mapa político colombiano¿, diz o cientista político Fernando Cano, da Universidad del Rosario, em Bogotá. Em maio, meia dúzia de aspirantes dos partidos da coalizão oficial lutarão para substituir Uribe, entre eles seu ex-ministro de Defesa Juan Manuel Santos, líder nas pesquisas de intenção de voto.

A favor da gestão de Uribe, a campanha eleitoral deste ano tem sido considerada a menos violenta dos últimos tempos, apesar de o governador do departamento (estado) de Guaviare, Luis Francisco Cuéllar, ter sido sequestrado e assassinado pelas Farc em dezembro de 2009. No processo eleitoral de 2002, ocorreram 210 sequestros políticos e, em 2006, sete. ¿O governo está fazendo um grande esforço para garantir a tranquilidade no país¿, afirmou Uribe. O mandatário anunciou que 237 mil militares seriam responsáveis pela segurança das eleições de hoje.

Apesar do ¿esforço¿ presidencial, surgem denúncias de ameaças de violência, compra de votos e irregularidades. Na semana passada, as autoridades revelaram a existência de um plano das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) contra o candidato à Câmara Orlando Beltrán, que esteve sete anos em poder do grupo armado. Ele é um dos ex-reféns que estão retornando ao cenário político institucional, ou estreando nele (veja o quadro).

O susposto complô contra Beltrán não foi o único. Dias antes, foi revelado outro, tendo como alvo o governador do departamento de Cauca, no sudoeste, foco de intensa ofensiva das Farc nos últimos anos.

A Promotoria Pública e a Missão de Observação Eleitoral (MOE) anunciaram que cerca de 35% dos municípios sofreram algum tipo de ameaça. De acordo com a MOE, 420 cidades correm risco de violência por parte das guerrilhas, dos paramilitares ou de grupos armados a serviço dos narcotraficantes. A MOE denunciou que, entre os candidatos inscritos, quase 80 têm ligações com dirigentes presos por relacionarem com os paramilitares. A Promotoria afirma que há 244 municípios sob ¿alto risco de provável ocorrência de ações que possam afetar a transparência e o livre desenvolvimento¿ da votação.

Para o senador Gustavo Petro, candidato à Presidência pelo oposicionista Polo Democrático Alternativo, o narcotráfico é o fator que mais afeta a democracia na Colômbia. ¿A fraude já foi feita, com o investimento de milhões de pesos pelo narcotráfico, que pretende levar seus candidatos ao Congresso¿, disse Petro à emissora britânica BBC. Por outro lado, Mónica Pachón, cientista política da Universidade de los Andes, reconhece que o narcotráfico tem influenciado a política colombiana desde os anos 1980, mas acredita que, após tantos escândalos, ¿a sociedade está mais atenta, assim como os partidos¿.

Internas

Além de eleger senadores e deputados, a votação de hoje servirá também para que os partidos Conservador e Verde realizem consultas internas para escolher seu candidato à Presidência. O diretor do governista Partido Conservador, Fernando Araújo, prevê a participação de cerca de 2 milhões de pessoas na votação, que conta como favoritos a ex-chanceler Noemí Sanín e o ex-ministro da Agricultura Andrés Felipe Arias.

Os seguidores de Uribe esperam o resultado para definir sua estratégia rumo à Casa de Nariño. Apesar de fazer parte do ¿uribismo¿, Sanín é considerada a mais distante do presidente, sobretudo depois de se opor à possibilidade de um terceiro mandato para Uribe. Arias, apesar de ser um defensor incondicional do atual chefe de Estado, tem em seu currículo um escândalo de corrupção relacionado ao repasse de subsídios agrários durante sua gestão ministerial.

OS NÚMEROS

270 mil - Total de militares que serão responsáveis pela segurança nas eleições de hoje

420 - Número de cidades que correm risco de violência por parte das guerrilhas e dos paramilitares

Do cativeiro para as urnas

Seis ex-reféns das Farc libertados, de forma unilateral, entre 2008 e 2009, concorrerão hoje ao Senado colombiano, para o período 2010-2014:

Clara Rojas A advogada de Bogotá buscará um assento pelo tradicional Partido Liberal. Concorreu à presidência pelo Partido Verde como vice da política franco-colombiana Ingrid Betancourt, com quem foi sequestrada pelas Farc em fevereiro de 2002, no departamento de Caquetá. Foi libertada em janeiro de 2008. Na selva, deu à luz Emmanuel, fruto de sua relação com um guerrilheiro

Sigifredo López O ex-deputado do departamento de Valle del Cauca também concorrerá pelo Partido Liberal, assim como Clara Rojas. Libertado em fevereiro de 2009, foi o único sobrevivente de 12 políticos da região sequestrados em abril de 2002 e assassinados pelas Farc em junho de 2007

Luis Eladio Pérez O ex-congressista aspira ao Senado pelo movimento independente Compromisso Cidadão pela Colômbia, do presidenciável e ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo. Foi deputado e senador entre 1994 e 2002, além de governador do departamento de Nariño. Sequestrado em 2001, só foi solto em fevereiro de 2008.

Jorge Eduardo Géchem Foi deputado pelo departamento de Huila entre 1986 e 1990, ano em que entrou para o Senado ¿ onde ficou até 2000. O sequestro, em fevereiro de 2000, foi o ponto final nos diálogos de paz entre o governo do presidente André Pastrana e as Farc. Géchem foi libertado em fevereiro de 2008.

Consuelo González Ex-deputada liberal, foi sequestrada em setembro de 2001 e libertada em janeiro de 2008. Entre 1994 e 2002, atuou como congressista pelo departamento de Huila.

Orlando Beltrán Foi deputado pelo Partido Liberal entre 1998 e 2002. Sequestrado em agosto de 2001, ganhou a liberdade em fevereiro de 2008. As autoridades colombianas denunciaram recentemente que as Farc têm planejado ataques contra a campanha de Beltrán.