Título: "PT enfrenta mal crítica ao gasto público"
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2005, Política, p. A6

O PT tem de estabelecer o embate político com a oposição, especialmente o PFL, para evitar que o governo Lula seja associado ao aumento de carga tributária, afirmou o novo líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA), em entrevista ao Valor. "Falta estabelecer esse embate político a partir da base do PT". Rocha defende que o partido leve para a agenda a defesa da desoneração da folha de pagamentos, como contrapartida. Segundo Rocha, equívocos de comunicação levaram à derrota da MP 232 que, admite, acabou virando um "símbolo" do aumento de carga. Apesar de reconhecer que a elevação da base de cálculo da CSLL provocaria aumento de carga de 1,89 ponto percentual para determinados setores, ele esclarece que o governo petista quer, sim, tributar os profissionais liberais. Sobre os velhos conflitos petistas, o líder acredita que não tem sido fácil para o partido entender a posição de ser governo, após ter passado duas décadas na oposição. Rocha reitera que discutir, agora, temas como autonomia do Banco Central e a reforma trabalhista só polarizaria mais uma vez essas divergências do PT. Há uma coisa, segundo ele, que o partido precisa entender com urgência: "O PT tem que ter a compreensão política de que o central da estratégia do partido para 2006 é a reeleição do Lula". Num momento de imprevisibilidade na Câmara, após a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE), Rocha está otimista com as recentes mudanças de postura do presidente da Casa. "O presidente tem um poder institucional limitado, tem que respeitar as forças partidárias". Valor: A derrota do governo na MP 232 mostra que a carga tributária chegou ao limite? Paulo Rocha: Ao iniciar a tramitação, estava claro que da forma como veio a Medida Provisória 232 não dava para aprovar. Havia problemas em todos os partidos, no PT inclusive. O governo passou a negociar e evoluiu para uma situação em que assegurava a compensação e o equilíbrio fiscal em relação à correção da tabela do IR, que é a grande preocupação. Por outro lado, houve um processo de mobilização em torno da MP, que ficou estigmatizada como um símbolo do aumento de carga tributária, o que não é na verdade. É apenas um mecanismo para coibir uma dose de sonegação muito grande em alguns setores. A única área em que poderia ter impacto e aumento de carga tributária é em relação ao lucro presumido, com elevação da base de cálculo de 32% para 40% da CSLL. Ali realmente poderia haver impacto de carga, de 1,89%. Mas foi um processo negociado, atendendo a setores que seriam taxados. Ficou acertado que pessoas jurídicas que tivessem empregados teriam compensação, nos setores agrícola e de construção civil. O governo não abre mão de taxar os advogados, médicos, etc, etc, profissionais liberais que costumeiramente não declaram. É preciso ter essa clareza. Mesmo com todas essas mudanças, é preciso dialogar bem com esse setor. Os trabalhadores urbanos que ganham pouco mais de R$ 1 mil são obrigados a antecipar o Imposto de Renda. Por que um profissional liberal que tem uma renda muito superior a isso não declara, sonega, e não pode pagar imposto? Valor: A mobilização da sociedade e de setores econômicos não revela que se está no limite de cobrança de impostos? Paulo Rocha: É óbvio. Tudo tem um limite. Nem o governo quer aumento de carga, quer equilibrar. Agora, há setores que pagam muito e setores que não pagam. Tem que haver um mecanismo de combate à sonegação. Só quem paga imposto no Brasil é trabalhador e consumidor. Os outros têm chances grandes de sonegação. Valor: O aumento de carga chegou ao limite neste governo? Paulo Rocha: Não teve tanto aumento de carga neste governo assim. Eu acho que o governo tem que marchar para a desoneração da folha. Buscar saídas para a economia gerar emprego. Valor: Como fechar essa conta, se a carga está no limite e os gastos do governo aumentam? Paulo Rocha: Houve aumento de despesa sim, porque o governo fez muitos concursos públicos, e iniciou o processo de substituição no serviço público do que foi terceirizado. Por isso buscamos como saída o combate à sonegação.

Sob o ponto de vista eleitoral, se a MP atingiria inicialmente 270 mil pessoas, com a negociação feita reduziu-se para 70 mil "

Valor: Só que os argumentos do governo não convenceram nem o PT nem a base a aprovar a MP. Paulo Rocha: Faltou capacidade maior do governo de tornar públicos os avanços do acordo, da negociação. Valor: Pelo que entendemos, a elevação da CSLL será mantida. A base declara que não aprovará mais aumento de imposto, com a eleição que se avizinha. Paulo Rocha: Sob o ponto de vista eleitoral, se a MP atingiria inicialmente 270 mil pessoas, com a negociação feita reduziu-se para 70 mil. Valor: O PT perdeu para o PFL uma bandeira histórica, do combate ao aumento de carga e da progressividade dos impostos? Paulo Rocha: Há uma tentativa da oposição de pregar no governo Lula o aumento da carga tributária. Não vai acontecer, porque quem fez o aumento da carga foi o governo anterior. Falta estabelecer esse embate político a partir da base do partido para isso poder ficar claro para a sociedade. Valor: Então a ordem no PT é mostrar que esse governo não é o vilão tributário? Haverá compromisso do governo de redução gradual da carga? Paulo Rocha: Exatamente. A carga tem que ser reduzida na medida em que a capacidade do Estado cria condições de arrecadação e faz combate à sonegação. Ai criam-se as condições de buscar reduzir a tributação de setores sobrecarregados. Por exemplo: um avanço importante seria a desoneração da folha, que dá condições para o custo do emprego ser menor. Valor: Quais as implicações políticas - para recomposição interna no PT - da decisão de não renovar o acordo com o FMI? Paulo Rocha: A bancada, agora, quer ser protagonista dos momentos positivos do governo. Para um partido como o PT, que historicamente está muito vinculado ao movimento social, à luta das corporações , causou grande impacto a idéia de passar a ser governo e enfrentar reformas que colocassem em xeque algumas de nossas posições históricas. Como, por exemplo, a reforma da Previdência. Isso custou muito caro à bancada. São duas coisas fortes: quem historicamente sempre foi oposição, passa a ser governo. Não é um exercício simples para um militante. Hoje o governo está consolidado, há direção política e há a conseqüência positiva daqueles momentos duros e difíceis, com reflexos na economia. Neste momento positivo, a bancada quer também ser ouvida, precisa ser enxergada pelo governo. Valor: Neste sentido, o rompimento do acordo com o FMI é bandeira histórica do PT. Isso dá ânimo político à esquerda? Paulo Rocha: A sinalização de não renovar o acordo ajuda nesse momento de positividade. No entanto, em relação à dureza do ajuste fiscal, permanecem as divergências no partido e na bancada. Mas, na visão majoritária, estamos no caminho certo.

PT tem que ter a compreensão de que o central da estratégia do partido para 2006 é a reeleição do Lula. "

Valor: Significa que não se trará a esquerda do PT para esse campo majoritário do dia para a noite. Paulo Rocha: A esquerda e a bancada estão unidas em torno do processo, do governo. Agora, sempre isso é tensionado à medida que vêm propostas que polarizam discussões no PT. Matérias como autonomia do Banco Central e reforma trabalhista são inoportunas para o momento político que estamos vivendo e para o momento de governo. Valor: O senhor assumiu a liderança num momento delicado, com a eleição de Severino Cavalcanti. Lula já fez o mea-culpa, considera que o PT errou. Que implicações isso tem no Congresso? Paulo Rocha: Esse processo foi uma somatória de erros e situações conjunturais. O erro do PT: acabou não se unificando em torno de uma única candidatura. Depois, havia uma insatisfação da base com o governo. Houve, também, uma articulação parlamentar que criou condições de constituir candidaturas avulsas, colocando em xeque as forças partidárias. Por outro lado, a oposição, ao vincular o processo interno da Câmara a uma derrota do governo, se somou a esse movimento. E aí o deputado Severino ganhou. Qual é a questão: a Casa é política, portanto, seu funcionamento depende da força da estrutura partidária. O presidente da Câmara tem que recompor a valorização do funcionamento da estrutura partidária. Por isso o Colégio de Líderes é importante. Um partido como o PT, a maior bancada, estar fora da Mesa Diretora, é uma anomalia. O presidente foi eleito, mas tem que respeitar a força partidária. Ele tem a força ao sentar na Mesa, mas quando chega lá embaixo, no plenário, a força é partidária. São os líderes que movimentam o plenário. Valor: Há constrangimento da instituição com as posturas e declarações de Severino? Paulo Rocha: O presidente tem um poder institucional limitado dentro do processo democrático. Não pode chegar lá em cima e dizer 'eu chamo os meus 300 (número de votos obtidos por Severino na eleição para a presidência da Câmara)'. Há constrangimento na medida em que isso se transforma em algo institucional. Não se pode confundir a posição pessoal política dele com o cargo que exerce como presidente de um poder. Valor: O PT reivindicou a articulação política na reforma ministerial. Isso está suspenso? Como fica o cenário com a manutenção do ministro Aldo Rebelo, que criticou a ganância petista? Paulo Rocha: O PT disse duas coisas para o presidente Lula: primeiro, que ficasse à vontade para fazer a reforma necessária para construir uma base parlamentar e política sólida capaz de assegurar a estratégia da disputa de 2006. A segunda coisa: o partido fez chegar ao presidente a necessidade de afinação na articulação política. Nunca pedimos a cabeça do ministro Aldo. Dizíamos que, ao ser proposta uma mudança na articulação, o presidente poderia lançar mão de quadros do PT, como de o João Paulo. A reforma ministerial gera menos problemas de reação do PT que mudanças mais lá embaixo, que repercutem nos Estados. Isso aí é mais complicado. Valor: O problema para o PT não é trocar ministro, mas as composições nos Estados? Paulo Rocha: É, porque envolve a verticalização, que leva a relações de disputas regionais que são diferentes de uma estratégia nacional. Esse é o grande desafio: como combinar o interesse do poder local com a estratégia de continuar governando o país. Isso não tem sido fácil para o PT. Temos dois exemplos claramente conflituosos: em 1998, no Rio de Janeiro, e nas eleições municipais em Fortaleza. Eu acho que isso vai amadurecendo. O fato é que o PT tem que ter a compreensão política de que o central da estratégia do partido para 2006 é a reeleição do Lula. Valor: Como aparar as arestas do PT com o ministro Aldo? Paulo Rocha: Há uma compreensão das lideranças que estão no front, tanto do PT quanto do ministro Aldo, que temos que dar conta das tarefas para o governo e sua base funcionarem. O próprio presidente percebeu que é preciso ter um funcionamento melhor, um processo maior de conversações. Lula percebeu a necessidade de fazer mais diretamente as coisas.