Título: A economia do saber da Índia
Autor: Guy de Jonquieres
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2005, Opinião, p. A10

Parece que ainda tem gente por aí que pensa que o setor de terceirização da Índia se refere a apenas um bando de funcionários mal remunerados com doutorados que executam trabalho escravo e maçante. Até recentemente, uma dessas pessoas foi o alto executivo de uma seguradora dos EUA que visitou a unidade de processamento corporativo da Wipro, terceira maior empresa de serviços e softwares da Índia. Ele foi prontamente esclarecido por seus anfitriões. O executivo foi apresentado a um escritório de retaguarda virtual composto de especialistas em seguros, capacitados para lidar com uma grande variedade de tarefas, desde o recebimento de pedidos de indenização até sua adjudicação, a valores de até 500 mil libras esterlinas (US$ 931 mil). "Nós entendemos de tudo!" disse Raman Roy, chefe da unidade da Wipro, ao seu visitante. Este imediatamente fechou um contrato. Outro mito é despedaçado através de um passeio ao redor das modernas sedes de empresas em estilo de campus em Bangalore, a exemplo da Wipro e Infosys, onde as redes de informação global dos clientes corporativos são gerenciadas 24 horas por dia a partir de salas de controle parecidas com as da Nasa. Se esse é um ambiente de trabalho escravo, então o hotel Ritz é uma pensão barata. Mesmo julgando pela velocidade estonteante das mudanças ocorridas na indústria de tecnologia da informação [TI], o feito da Índia é espantoso. Em apenas uma década, ela criou um setor com mais de 800 mil empregados e vendas anuais próximas de US$ 20 bilhões, quase integralmente em exportações. Os nomes das empresas inscritas nos comitês de boas-vindas dos balcões de recepção em Bangalore se assemelham a uma leitura do Fortune 500. E isso, dizem os líderes da indústria, é só o começo. Roy projeta crescimento anual sustentado de 50% ou mais e uma triplicação das tarefas de processamento corporativo, para 1,2 milhão, até 2008. Enquanto isso, Azim Premji, presidente do conselho da Wipro, pretende estimular a produtividade e reduzir os tempos de desenvolvimento, através da aplicação de técnicas pioneiras de produção da Toyota. As empresas de maior porte já estão programando o seu próximo salto: evoluir da condição de sub-contratadas para sócios estratégicos, compartilhando riscos com clientes. Muitos estão ocupados contratando consultores com experiência em setores-alvo como o bancário, de serviços de saúde e de telecomunicações. A meta, diz Roy, é "sugar conhecimento" dos clientes para melhor atendê-los. O centro de desenvolvimento de TI é um exemplo do vasto espaço adicional que a terceirização ainda pode percorrer em atividades antigamente consideradas essenciais. Ela executa grande parte do projeto de circuitos, vital para as fabricantes de produtos eletrônicos de consumo. Eles dizem o que querem que os novos produtos façam: o centro assegura que farão.

O centro de desenvolvimento de TI é um exemplo do vasto espaço que a terceirização pode percorrer em atividades consideradas essenciais

As ambições da Índia parecem desconhecer limites. Essas empresas, no entanto, ainda enfrentam obstáculos. Um deles é consolidar a confiança do cliente. Apesar da comprovada competência e confiabilidade das empresas de TI, elas carecem do reconhecimento de marca e da presença de mercado de uma IBM ou Accenture, o que significa que elas precisam concorrer arduamente em torno de preço. Elas também precisam administrar complexidade e escala crescentes, ao mesmo tempo preservando a lealdade de empregados sem vínculos. A intensificação da concorrência por mão-de-obra qualificada torna essa tarefa ainda mais difícil. A procura por graduados em engenharia em breve poderá levar além do limite até mesmo a capacidade da Índia de formá-los. A caça de talentos já está se espalhando para a China e outras partes da Ásia. O setor reconhece todos esses desafios e procura enfrentá-los. Um risco potencial, porém, está fora de seu controle: um movimento contrário à terceirização nos EUA, de longe o seu maior mercado. Apesar de a ameaça já ter recuado em meio à recuperação da geração de postos de trabalho nos EUA uma queda na atividade econômica poderá reanimá-la, acompanhada de histeria sobre "esvaziamento" industrial. A pressão pela adoção de medidas protecionistas - possivelmente entraves aos fluxos internacionais de dados, impostas por motivações de "segurança nacional" - poderá vir rapidamente na seqüência. Se isso acontecesse, é improvável que todos os argumentos veementes ouvidos em Bangalore nesses dias, sobre a terceirização ser um jogo em que todos ganham e de ser uma via de duas mãos, surtam algum efeito político no Ocidente. O segmento de TI da Índia sabe disso. Mas ele também sente uma poderosa influência no sentido contrário atuando em seu favor. Concorrência global mais acirrada, riscos comerciais mais vultosos, inovação mais célere, ciclos de produto mais reduzidos e escassez de pessoal estratégico - todos esses fatores estão transformando a forma de gerir negócios dos seus clientes ocidentais. Premji explica que eles estão definindo as suas "jóias da coroa" de forma ainda mais rigorosa e confiando trabalho anteriormente executado dentro das empresas aos parceiros. Este é um imperativo da sua sobrevivência comercial. A crença de que ele continuará e crescerá com muito mais vigor é a maior aposta do setor de TI indiano no futuro.