Título: Indústria de remédios tem ajuda para ocupar nichos
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2005, Especial, p. A12
A Libbs Farmacêutica, uma empresa nacional bem-sucedida que está no mercado há quase meio século, decidiu construir uma nova fábrica no final de 2003. A companhia espera triplicar sua capacidade de produção com esse investimento. A obra já estava pela metade quando a indústria de medicamentos foi incluída entre as prioridades da política industrial do governo. Um dia ligaram do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferecendo um empréstimo para a Libbs. "Tínhamos planejado fazer a fábrica com recursos próprios e não precisávamos desse dinheiro", conta o diretor de marketing da Libbs, Alcebíades de Mendonça Athayde Júnior. "Mas eles nos procuraram e o empréstimo saiu a toque de caixa." A Libbs conseguiu dessa maneira R$ 16,9 milhões, suficientes para financiar pouco mais de um terço do investimento na nova fábrica, que deve ser inaugurada no ano que vem. A operação deu um refresco para o caixa da Libbs e permite que ela aplique em outros projetos os recursos que estava guardando para a fábrica. Esse é exatamente o tipo de operação que os críticos do BNDES costumam apontar como uma distorção na aplicação do dinheiro do banco. Recursos que poderiam ter beneficiado outros empreendimentos subsidiaram um investimento que a empresa estava disposta a fazer sozinha. Funcionários envolvidos com a execução da política industrial preferem olhar a questão por outro ângulo. "Temos que fortalecer as indústrias nacionais nesse setor e decidimos ir a campo para motivá-las", diz o chefe do departamento de produtos químicos e farmacêuticos do BNDES, Pedro Lins Palmeira. "A Libbs faria essa fábrica de qualquer jeito, mas agora poderá fazer mais rápido." A indústria farmacêutica ganhou destaque na política do governo por motivos diferentes dos que justificaram a escolha de outros setores. Seu desenvolvimento não difunde ganhos de eficiência em outros segmentos da economia, mas pode ajudar a aliviar as preocupações do governo com a balança comercial do país e os gastos crescentes do sistema de saúde pública com remédios. Grande parte dos medicamentos vendidos no Brasil é produzida em outros países ou usa insumos importados. No ano passado, o país gastou US$ 1,8 bilhão para importar remédios e fármacos, as substâncias que contêm os princípios ativos dos remédios. Essa despesa foi equivalente a 26% do faturamento dos laboratórios no mercado doméstico. Parte do plano do governo é estimular a substituição dos insumos importados por substâncias feitas no Brasil. Empresas como a Libbs são casos raríssimos. Ela mesma produz quase dois terços dos insumos que consome para fazer seus remédios. Outra empresa que recebeu recursos do BNDES, a Nortec Química, especializou-se em fabricar princípios ativos para os laboratórios. A Nortec é uma velha cliente do banco. Há três anos o BNDES ajudou-a a construir uma nova fábrica e virou sócio da companhia, com uma participação de 20% no seu capital. Agora, o banco decidiu emprestar R$ 6 milhões para a empresa contratar pesquisadores e desenvolver a produção de 30 princípios ativos que atualmente o país importa. "Somos uma indústria essencial para o país, mas estávamos abandonados", afirma o presidente da Nortec, Alberto Ramy Mansur. A Nortec é uma sobrevivente. Desde a abertura comercial da década de 90, mais de mil fabricantes de matérias-primas para a indústria farmacêutica e outras especialidades químicas fecharam as portas no Brasil, incapazes de competir com os produtores indianos e chineses que dominam boa parte do mercado. Desde o lançamento da política industrial do governo, somente mais uma empresa foi contemplada com recursos para investir. A Eurofarma, um dos maiores fabricantes de medicamentos genéricos do país, conseguiu R$ 35 milhões do BNDES para substituir suas cinco fábricas por uma nova planta, maior e recheada com máquinas mais sofisticadas. A opção preferencial do governo pelas empresas nacionais desperta ciúmes e desconfiança nas multinacionais que dominam o mercado. "O foco do governo parece ser estimular a produção de insumos e medicamentos que são vendidos no mundo todo com margens muito pequenas", diz o presidente da Merck Sharp & Dohme, José Tadeu Alves. "É uma estratégia bem arriscada." Como a maioria das indústrias nacionais desse setor, empresas como a Libbs, a Nortec e a Eurofarma ganham dinheiro desenvolvendo cópias e adaptações de medicamentos e insumos cujas patentes já perderam a validade e por isso podem ser copiados livremente. É um mercado muito competitivo, em que diferenças de centavos podem ser decisivas na hora de fechar um negócio. Nenhuma das empresas nacionais do setor tem tamanho e fôlego financeiro para entrar nos segmentos mais lucrativos da indústria, o dos medicamentos inovadores vendidos pelos laboratórios estrangeiros. É um nó difícil de desatar. O BNDES sonha em promover fusões para criar uma grande indústria nacional no setor, mas ninguém está prestando atenção nessa conversa. "Todos choram, mas está todo mundo ganhando dinheiro e ninguém quer saber de fusão agora", diz o superintendente da Eurofarma, Maurizio Billi. "Existem muitos nichos no mercado de medicamentos que não interessam mais às multinacionais e onde podemos competir com produtos de qualidade superior à dos que são produzidos por nossos rivais na Índia e na Ásia." Embora seja um aspecto central da política oficial para o setor, o entusiasmo do governo pela indústria nacional esbarra no relacionamento conflituoso dessas empresas com o Ministério da Saúde. Preocupado com o peso que os gastos com remédios têm no seu orçamento, o ministério têm mantido os preços dos medicamentos sob controle rígido e em muitas licitações dá preferência a fornecedores estrangeiros. "Falta coordenação entre o ministério e as áreas que cuidam da política industrial", diz o presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma), Omilton Visconde Júnior, dono da Biosintética. O Ministério da Saúde incluiu vários projetos entre as prioridades da política industrial e neste ano pretende investir R$ 70 milhões nos laboratórios estatais que fornecem grande parte dos remédios que ele compra. É mais do que o dinheiro liberado pelo BNDES para o setor até agora.