Título: O novo marco legal da biossegurança no país
Autor: Krysia A. Ávila de Oliveira e Maria Christina M. G
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2005, Legislação & Tributos, p. E2
A Lei nº 11.105 - publicada em 28 de março de 2005 com alguns poucos vetos que não alteraram significativamente o substitutivo do Senado aprovado pela Câmara dos Deputados - constitui o novo marco de regulação da biossegurança e biotecnologia no Brasil, com medidas de proteção à vida e saúde humana, animal e vegetal, bem como ao meio ambiente. Além de corrigir distorções geradas pela Lei nº 8.974, de 1995, e pela Medida Provisória nº 2.191-9, de 2001, ora revogadas, a lei prevê órgãos articulados para implementar um controle abrangente e eficaz das várias aplicações da biotecnologia. O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), novo órgão vinculado à Presidência da República, presidido pelo chefe da Casa Civil e composto por ministros, vai assessorar a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança, fixará diretrizes e se manifestará sobre o uso comercial de organismos geneticamente modificados e derivados, analisando pedidos de liberação e decidindo processos em última instância. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância do Ministério da Ciência e Tecnologia criada pela lei anterior, foi agora reestruturada, com mais membros, requisitos de capacitação mais rigorosos e plena competência para estabelecer normas técnicas de segurança e autorizar atividades envolvendo pesquisa e uso comercial de organismos geneticamente modificados e derivados, com base em avaliação de risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente. Também elevou-se o quórum: requer atenção o veto ao dispositivo que previa a tomada de decisões pela maioria dos presentes. São órgãos e entidades de registro e fiscalização os Ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Secretaria de Aqüicultura e Pesca, observando determinações do CNBS e CTNBio. Restou definitivamente estatuído, à salvo de dúvidas, que o Ministério do Meio Ambiente efetuará o licenciamento ambiental somente quando a CTNBio deliberar ser o organismo geneticamente modificado ou derivado potencialmente causador de significativa degradação ao meio ambiente. Foi mantida da lei anterior a Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) para o controle interno e proteção aos trabalhadores das instituições de engenharia genética ou de pesquisa com organismos geneticamente modificados e derivados, em interface com a CTNBio. Uma parte polêmica da Lei de Biossegurança regula a aplicação a seres humanos de processos genéticos artificiais. Clonagem humana e práticas como engenharia genética em célula germinal, zigoto e embrião humanos permanecem vedadas e são capituladas como crimes. Um representativo ganho à sociedade brasileira, mantido inobstante pressões e debates éticos, é a permissão da utilização (vedada pela lei anterior) de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro. A utilização só é admitida para pesquisa e terapia (a comercialização constitui crime de venda de tecidos e órgãos, pela Lei nº 9.434/97), exige consentimento dos genitores e se restringe a embriões inviáveis ou congelados há pelo menos três anos. Não constitui utilização indiscriminada, mas destinação a material biológico antes descartado (não introduzido em útero) com atuação promissora em doenças degenerativas. A lei representa avanços também na aplicação da biotecnologia para fins agrícolas, convalidando atos já praticados, como os Certificados de Qualidade em Biossegurança (CQB), e notadamente comunicados e decisões técnicas exarados pela CTNBio. Quanto à soja geneticamente modificada tolerante a glifosato - o Roundup Ready -, a lei autoriza a produção e comercialização das sementes registradas no Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura e o plantio de grãos reservados pelos produtores rurais para uso próprio na safra 2004/2005. Ela põe fim à moratória imposta desde 1998 aos produtos geneticamente modificados, tornando superado o questionamento judicial acerca das autorizações concedidas pela CTNBio e quanto à exigência de estudo de impacto ambiental a todos os organismos geneticamente modificados e derivados não obstante já aprovados pela CTNBio. Com a lei esses litígios perdem objeto. Fundamentalmente, foi resgatado o caráter vinculativo da decisão técnica da CTNBio sobre atividades e projetos envolvendo organismos geneticamente modificados e derivados, ainda que o uso comercial ainda dependa da chancela do CNBS sob o ponto de vista da conveniência e oportunidade políticas. Outorga-se, assim, um importante marco regulatório à biotecnologia nas áreas humana - com a permissão legal de utilização das células-tronco embrionárias, somadas às adultas já utilizadas em pesquisas no Brasil, inserindo o país em pesquisa internacional de ponta a possibilitar a cura de doenças - e agrícola, com a convalidação das análises já feitas pela CTNBio e o resgate do seu caráter vinculativo, soltando as amarras que impediam um maior avanço tecnológico no setor.