Título: Projeto de 33 anos agora combate o desperdício
Autor: Chico Santos De Sousa e Aparecida (PB)
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2005, Especial, p. A12

Ao contrário do projeto Várzeas de Sousa, o Perímetro Irrigado de São Gonçalo, distante 30 quilômetros da obra inacabada em direção ao Ceará, está funcionando há 33 anos. A produção dos 384 agricultores é concentrada em coco e banana. Nessa região, o desperdício é identificado e está sendo combatido, seja pela mudança no sistema de irrigação, seja pela procura de culturas agrícolas mais rentáveis. O projeto, comandado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), engloba também uma região excluída que mantém fora dos seus benefícios mais de 200 famílias de agricultores que receberam terras supostamente irrigáveis. Segundo Ednardo Alves de Oliveira, técnico do DNOCS, dos 3.045 hectares de área irrigável, estão sendo usados atualmente 1.100 hectares. A maioria dos agricultores tem terrenos de 4,28 hectares. Implantado a partir de 1972, o Perímetro utiliza águas do vizinho açude de São Gonçalo (capacidade de 44,6 milhões de metros cúbicos), que por sua vez está diretamente ligado ao açude Engenheiro Ávidos, mais conhecido como Boqueirão, com 255 milhões de metros cúbicos de capacidade de armazenamento, a cerca de 40 quilômetros a oeste, no município de Cajazeiras. O Boqueirão receberá as águas (Eixo Norte), que abastecerão Paraíba e Rio Grande do Norte, via perenização do rio Piranhas. Há dois anos, toda a irrigação do perímetro era pelo arcaico e perdulário sistema da inundação da superfície irrigável por gravidade, por intermédio de canais. Segundo Oliveira, cerca de 300 irrigantes já migraram para a microaspersão (borrifamento com mangueiras e micropivôs). Este sistema, segundo especialistas, utiliza 30% da água necessária ao sistema de inundação. Mais moderno, o gotejamento (mangueiras soltam em intervalos regulares pequenas gotas de água diretamente na raiz da planta), usaria cerca da metade da água da microaspersão. "A inundação perde 60% da água no caminho", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico da Paraíba, Francisco de Assis Quintães, defensor ferrenho da transposição, mas que não nega o desperdício de água. Em São Gonçalo, a tecnologia atrasada se une a outros problemas para aumentar o desperdício. "Aqui há muito canais vazando água por carência de manutenção", disse Iranirton de Assis Alves, funcionário da Escola Técnica Agrícola (federal). Uma das conseqüências do problema é que o Perímetro de São Gonçalo está com racionamento de água para irrigação. "Estamos liberando água de 15 em 15 dias para salvar as culturas permanentes (frutas)", disse Oliveira, do DNOCS. O açude do Boqueirão estava em 12 de março com 120 milhões de metros cúbicos de água, menos da metade do que comporta, e o de São Gonçalo, com 12 milhões, um quarto da capacidade. Isso após terem transbordado em 2004. Além de fornecer água para irrigação, o sistema abastece os municípios de Sousa, Cajazeiras e outros menores . Além de usar técnicas ultrapassadas, o Perímetro Irrigado de São Gonçalo está fortemente concentrado na produção do coco verde. O prefeito da cidade, Salomão Gadelha, reconhece que a cultura não é rentável o suficiente para justificar a concentração de esforços. Gadelha, para quem a transposição do São Francisco é um instrumento de desenvolvimento econômico -"não queremos água só para beber e alimentar uns bodezinhos" -, defende uma progressiva migração para culturas mais rentáveis, como uva e manga. O preço de um coco ao produtor pode passar de R$ 0,20 nos melhores períodos, mas chega a ser vendido por R$ 0,10 em São Gonçalo. Nos bares de Sousa, custa R$ 0,50. O irrigante Antônio Santana Neto, 36, com um lote de apenas um hectare produz cerca de 24 mil cocos por ano. Vendendo a uma média de R$ 0,20, obtém receita bruta anual de R$ 4.800. Dá para viver com a família? "A gente faz uma esforço, trabalha também nas roças dos outros", responde. O trabalho assalariado também não é dos mais rentáveis. Moisés José de Souza, 28, cuida sozinho de uma plantação de cerca de cinco hectares. Ganha salário mínimo (R$ 260), com o qual sustenta mulher e quatro filhos. "Dá para viver sofrendo." Há também os quase irrigantes, aqueles com lotes em um suposto perímetro irrigado, com infra-estrutura de canais pronta, mas sem água para irrigar. É a chamada Segunda Etapa do perímetro. Francisco José da Silva, 43, informa que são mais de 220 famílias com terra e sem água. Tudo porque foram construídos os canais limítrofes e de dentro das propriedades, mas não o que leva a água do açude. Marli Bezerra da Silva, 41, mora com marido e dois dos quatro filhos em uma casa relativamente grande próxima ao que deveria ser seu lote irrigado. A casa espaçosa é o lado bom, mas a água de beber é trazida de lata e a família só planta se chover. Com a seca, Marli acha que terá de vender a vaca de leite. Escaldada, diz não acreditar mais na chegada das águas do São Francisco. "Não tenho fé, não. Desde criança ouço falar nisso. Seria bom, mas primeiro tinham que terminar nossa obra", responde. (CS)