Título: Autonomia do BC: a estratégia de Palocci
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2005, Brasil, p. A2

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, já tem uma estratégia para aprovar, no Congresso, a autonomia do Banco Central (BC). Autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Palocci corre contra o tempo. Quer que pelo menos a fixação de mandatos para o presidente e os diretores do BC seja instituída neste ou no próximo ano, antes do fim do mandato deste governo. O restante seria debatido depois. A formalização da autonomia operacional existente hoje eliminaria, na opinião do ministro, o custo da transição política em 2006. Mesmo o governo Lula tendo rezado, até agora, pela cartilha da responsabilidade fiscal e da austeridade monetária, há incertezas quanto ao seu comportamento num possível segundo mandato. Lula, apesar das recaídas populistas - incluídas nesse rol a correção da tabela do Imposto de Renda e o forte aumento do salário mínimo em 2005 -, já deu demonstrações de que, em geral, governa com responsabilidade na área econômica. Ainda assim, há dúvidas quanto à continuidade das políticas atuais. O PT, o partido do governo, ainda não se reconciliou com a política econômica e isso, claro, é motivo suficiente para preocupação. É verdade que o presidente do PT, José Genoino, pretende aproveitar a eleição partidária para atualizar o pensamento econômico da sigla. A incerteza quanto aos rumos da política monetária tem um preço. Não há como fugir disso. Ao justificar o projeto de emenda constitucional que, a pedido de Palocci, apresentou no Senado, Ney Suassuna (PMDB-PB) admite que, mesmo com o sucesso da atual política econômica, "não se pode negar que alguma incerteza política quanto à continuidade de políticas monetárias consistentes é uma reação legítima dos agentes econômicos e dos cidadãos". É certo que a incerteza não diz respeito apenas à manutenção de Lula no poder, mas também à sua substituição em 2006 ou em 2010. Palocci optou por estimular Suassuna a apresentar sua proposta porque, no núcleo político do governo, não há consenso quanto à autonomia do BC. O Palácio do Planalto não quer ver suas digitais num projeto dessa natureza. A proposta do senador paraibano é sumária. Sugere a fixação de mandatos para a diretoria do BC, remetendo a uma lei complementar o disciplinamento da questão. É evidente a intenção de Palocci em descomplicar o tema para tentar aprová-lo com uma certa celeridade. Mais ampla e, portanto, mais complexa é a proposta de autonomia do BC feita pelo senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA). Embora integrante da oposição, Tourinho se entende com Palocci. Sua proposta, na verdade, não está em desacordo com a de Suassuna, na medida em que também fixa mandatos para a diretoria - de quatro anos, com direito à recondução -, mas vai muito além. O projeto de Tourinho consolida a autonomia operacional do BC, mas evita claramente a possibilidade de independência absoluta. Nessa linha, explicita as duas atribuições da instituição - preservar o valor de compra da moeda nacional e cuidar da solvência do balanço de pagamentos. Todo o resto, inclusive, a supervisão bancária e o que restou do entulho burocrático acumulado ao longo dos anos - a supervisão dos consórcios é um bom exemplo -, deixa de ser atribuição da autoridade monetária.

Tourinho avança em relação a outros BCs

A supervisão bancária e o controle dos mercados de capitais, de previdência privada e de seguros passariam a ser feitos por uma agência única, fora do BC, como, aliás, pretendeu um dia Armínio Fraga, ex-presidente da instituição. A criação da agência teria que ser proposta pelo governo, na medida em que não é prerrogativa do Legislativa. Preocupado com a inexistência de canais de resolução de conflito entre o BC e os poderes eleitos democraticamente, Tourinho sugere que o Conselho Monetário Nacional (CMN), reformulado, cumpra esse papel. "Se, por um lado, não se pode deixar a política monetária ser levada pelo interesse político de curto prazo, por outro é preciso impedir que, em função desse ideal, se transfira a uma burocracia não legitimada pelo voto - e tão suscetível quanto qualquer outro detentor de poder às seduções de interesses particulares - o poder de determinar, em última instância, os destinos da política monetária", justifica o senador. Na proposta, o CMN deixa de ser um órgão normatizador, passa a ter dois integrantes natos (os ministros da Fazenda e do Planejamento) e dois com notório saber em economia e ganha a atribuição de monitorar as ações do BC. Tendo estudado as experiências dos bancos centrais da Inglaterra e da Europa, o senador baiano inova ao propor que, além da política monetária, seja atribuição do BC cuidar da política cambial. Esse ponto é polêmico. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve é responsável pelos juros, enquanto do câmbio cuida o Departamento do Tesouro. O Congresso ganha papel importante na proposta de Tourinho. Ele propõe que, anualmente, o governo apresente uma lei de metas monetárias e cambiais, a ser cumprida pela diretoria do BC. "É importante ressaltar que a instauração da autonomia do BC não corresponde a tornar perene o sistema de metas inflacionárias ou eleger como permanente o sistema de câmbio flutuante. Esses conceitos, apesar de compatíveis, não se equivalem", adverte. Palocci e Dirceu juntos. Será? Palocci e o ministro da Casa Civil, José Dirceu, fumaram ontem o cachimbo da paz. Almoçaram juntos, definiram uma pauta de trabalho comum e até deram gargalhadas sobre os rumores de que estariam disputando vaga no vôo que levará Lula ao funeral do papa. Acertaram que, no sábado, vão juntos ao Rio para participar da reunião do Campo Majoritário, a tendência que controla a maioria no PT. Dirceu reafirmou que concorda com a autonomia do BC, que a sua formalização seria um avanço em relação à situação atual, mas que o momento político não lhe é propício.