Título: Implantação da política industrial ainda é lenta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2005, Opinião, p. A10
A política industrial anunciada pelo governo no ano passado fez aniversário. Mesmo se nada tivesse acontecido para a execução dessa política, o simples fato de ela ter sido formulada já seria um bom saldo. Após 15 anos de ausência do Estado na formulação de programas industriais, um governo, enfim, se debruça em um projeto de futuro para o país. É um reconhecimento de que a ortodoxia neoliberal, que prega a ausência total do Estado na organização produtiva do país, tem limites. Na origem do desenvolvimento dos países mais ricos, entre eles alguns dos mais ardorosos defensores da não-intervenção do Estado, existiu um momento de ordenação econômica promovida pelos governos, orientada por uma definição estratégica para o futuro. Até pela carência de quinze anos, o país tem pressa. Aplaudida a intenção, é natural que se cobrem os resultados. O balanço de aniversário da política industrial feita pelo Valor, publicado em quatro edições da semana passada, mostra que o governo anda devagar na execução de ações que já definiu; falta articulação entre os ministérios e setores envolvidos; e carece de clareza a definição de políticas para setores escolhidos como estratégicos, como biotecnologia e nanotecnologia. O consenso em torno de princípios, constataram as reportagens, é neutralizado pelo dissenso sobre políticas efetivas a serem adotadas. Em artigo publicado na edição de segunda-feira do Valor, o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Alessandro Teixeira, rebateu as críticas ao projeto, atribuindo-as aos "descrentes e negativistas". Para ele, os balanços numéricos interpretam o programa como um "pacote desenvolvimentista", quando o seu maior mérito seria o da perenidade. Não se trata de negativismo ou descrença. O país torce para que uma política industrial dê certo - ela representa a chance de queimar etapas em setores estratégicos na economia moderna e de ganhar competitividade no mercado globalizado. Os números, no entanto, refletem uma realidade dada e a frustração diz respeito a uma expectativa alimentada pelo próprio governo. Há um ano, quando anunciou o programa, o Executivo chegou a dotação de R$ 15 bilhões para a execução da política. Segundo levantamento feito pelo Valor, as medidas anunciadas que dizem respeito a ela somaram não mais de R$ 700 milhões. As restrições não são, contudo, apenas numéricas. Existem críticas também à visão estratégica de longo prazo - e esta, definitivamente, não é imediatista. No dia 9 de março último, também no Valor, o economista David Kupfer publicou um artigo de avaliação do primeiro ano de política industrial, onde aponta que, apesar de ter adotado um projeto claro em sua dimensão vertical - ao eleger setores de caráter realmente estratégico, como bens de capital, semicondutores, software e farmacêutica e tecnologias do futuro (biotecnologia, nanotecnologia e biomassa) -, ela falhou no traçado da dimensão horizontal. Esta última seria a visão de longo prazo. Há quase um consenso nas avaliações feitas da política industrial de que a falha, fundamentalmente, reside na falta de articulação. Um projeto para o Brasil envolve vários ministérios e diz respeito a todos os setores da economia. Isso significa dizer que, em última instância, as expectativas repousam sobre o papel que Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) vai desempenhar nesse processo. Isso não é uma crítica à atuação da ABDI - até porque a agência foi aprovada apenas no final do ano passado. A capacidade de articulação da agência e dos poderes que forem conferidos a ela pode significar a diferença entre existir de fato, ou não, uma política industrial. A articulação, no entanto, não é tudo. É preciso que a política industrial seja definida efetivamente como uma prioridade, e que essa prioridade seja em si persuasiva, para eliminar as barreiras que separam a filosofia da prática, a concepção do ato. A política não pode ficar à mercê de intermináveis negociações entre ministérios. A falta de coordenação da máquina burocrática já sepultou as melhores intenções de vários governos. A concepção de uma política industrial que não envolva, como no passado, uma multidão de incentivos e a escolha de vencedores nas cadeias produtivas, pode representar um avanço para o país se à clareza dos rumos corresponder o uso de meios eficazes de execução - e isso o governo ainda está devendo.