Título: Ganha-pão e casas serão alterados
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2005, Especial, p. A12
Alexandre Pereira tem 12 anos e está na quarta série do primeiro grau. "Perdi um ano porque tava tomando remédio pra anemia", justifica com um jeito de falar que parece de criança mais nova. Vestindo camisa da seleção brasileira de futebol, faz pose com um cachorro magrelo junto ao marco de concreto que delimita o local por onde vai passar o futuro canal do Eixo Norte da transposição do São Francisco. Poderia ser uma cena inspirada em "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, não fosse uma área abundante em água, logo abaixo do paredão do açude Quixabinha, no município de Mauriti, a 515 km de Fortaleza, perto da divisa do Ceará com a Paraíba. A maior parte das mais de 40 famílias que moram em Quixabinha terá que deixar suas casas por causa da passagem do canal. A maioria das casas pertence ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que as desapropriou quando construiu o açude Quixabinha. "Vieram aqui e disseram que vão derrubar a casa e dar outra já feita", conta Josefa Lopes Francelino, 38, seis filhos. Quixabinha recebe água encanada do açude, mas Cícero diz que ela não é boa para beber mesmo quando chega às torneiras. A saída é viajar três quilômetros e trazer água de bicicleta. A família planta em terras arrendadas. "Mudar para uma casa melhor é bom, mas vai vai ser ruim se não tiver onde plantar", resume sua apreensão José Nunes de Souza, marido de Josefa. Cícero Pereira, fornecedor de água em lombo de jegue, deve perder mercado. "Quantos anos tenho? Não sei. Só quem sabe é mãe", responde o homenzarrão, que do lombo do jegue quase toca as pernas no chão. Cobra R$ 2 por carregamento, mas como pouca gente pode pagar, a renda é pouca. Elianeiva Odísio, técnica do Ministério da Integração, disse que serão removidas 30 famílias de Quixabinha, e elas irão para uma área irrigada. Segundo ela, a construção dos canais da transposição exigirá remover cerca de 750 famílias. "Para o açude do Castanhão foram retiradas 4,5 mil famílias, só da zona rural", compara. (CS)