Título: Irrigação eleva renda e muda vida no Ceará
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2005, Especial, p. A12

A cidade cearense de Morada Nova, a 164 quilômetros de Fortaleza, tem duas histórias: antes e depois do Perímetro Irrigado implantado há 35 anos, com 4 mil hectares de terras irrigáveis distribuídos entre os municípios de Morada Nova (70%) e Limoeiro do Norte (30%). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município melhorou 24% nos últimos dez anos e a a renda média cresceu 47%, ante uma elevação de 37% na média do Ceará. Ao todo, são 915 irrigantes que geram 3,5 mil empregos diretos e o dobro de indiretos, segundo cálculos conservadores de Raimundo Joacir Moreira de Sousa, chefe da Unidade de Campo da Bacia do Baixo Jaguaribe do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), órgão que implantou e gerencia o abastecimento de água do projeto. "Mudou a cultura, o nível de emprego e o de renda", resume o técnico do DNOCS. Ele mesmo reconhece que o projeto desperdiça água, tanto pelo uso de técnicas de irrigação inadequadas como pela concentração (2,6 mil hectares) em uma cultura de elevadíssima demanda hídrica, a do arroz. "Se a gente modernizar o sistema de irrigação dá para triplicar o uso da água", avalia. Os irrigantes, segundo ele, querem mudar tanto o sistema como as culturas, mas precisam de ajuda do governo. O Perímetro de Morada Nova é irrigado com águas dos açudes de Banabuiú (1,6 bilhão de metros cúbicos de capacidade) e de Pedras Brancas (434 milhões de metros cúbicos). A água desce por gravidade e irriga por inundação as lavouras, a maior parte de arroz, banana e plantas forrageiras, como o sorgo e o capim-elefante. O atenuante para o desperdício é que a água retorna ao leito do rio Banabuiú e ajuda a manter perenizado esse afluente do rio Jaguaribe. Sousa disse que a idéia dos agricultores e pecuaristas da região é mudar o sistema de irrigação, passando a utilizar as modernas técnicas de microaspersão (borrifamento com pequenos pivôs acoplados a mangueiras) e de gotejamento (mangueiras especiais gotejam a água diretamente na raiz da planta). Eles querem também trocar parte das culturas para frutas como uva, manga e goiaba, mantendo o cultivo de forragens. O arroz apresenta na região uma produtividade média de 6 toneladas por hectare e, apesar de reconhecidamente perdulário em água, é difícil de ser totalmente erradicado: segundo o DNOCS, cerca de 1,3 mil hectares do Perímetro são de terrenos de aluvião. Eles são altamente absorvedores de água, têm superfície de argila que, quando seca, racha. As raízes de algumas plantas se partem quando isso ocorre, pondo a plantação a perder. O arroz se adapta bem a esse tipo de solo. O problema, de acordo com Sousa, é encontrar uma alternativa tão rentável quanto ele. O ciclo do arroz plantado em Morada Nova é de 120 dias, mas há variedades com ciclo de 100 dias. O Ceará é o mais Estado mais adiantado na integração e gestão dos recursos hídricos. Mas Souza também defende que, mesmo com racionalização no uso da água, somente a transposição do São Francisco trará a "segurança hídrica" necessária ao aproveitamento total das águas no semi-árido. "É um sonho de toda vida", resume. Um pouco a norte do perímetro de Morada Nova, na margem esquerda da BR-116 (sentido Fortaleza), o Perímetro Irrigado do Tabuleiro de Russas, também comandado pelo DNOCS, começa a sair do papel, após 12 anos de obras e gastos de R$ 320 milhões. As obras, a cargo da construtora Andrade Gutierrez, estão previstas para terminar neste mês (abril), mas desde setembro do ano passado as primeiras lavouras de melão, abóbora e melancia, entre outras, começaram a ser plantadas e colhidas nos 50 primeiros lotes. Há 330 hectares plantados para um total de 11.281 do projeto. O engenheiro civil Jonald Coelho, gerente-executivo do Distrito Irrigado do Tabuleiro de Russas, disse que Tabuleiro já busca incorporar todos os avanços tecnológicos da agricultura irrigada para aumentar a eficiência do uso da água. O projeto consome hoje 1,4 m3/s de água do rio Banabuiú, mas quando estiver em plena produção pode chegar a 14 m³/s, mais da metade de toda a água que será drenada do São Francisco fora das cheias de Sobradinho (26m³/s). No Tabuleiro de Russas, a água só é utilizada à noite, reduzindo a evaporação e barateando em até 73% o custo de energia elétrica. Cada irrigante possui seu próprio medidor de água e paga pelo seu consumo. Toda irrigação é por microaspersão ou gotejamento. A expectativa é que o projeto gere 22 mil empregos e beneficie mais de 200 mil pessoas. Mas nem tudo são flores. O Tabuleiro de Russas ainda está em fase experimental e já é palco de conflito de terras. No final de fevereiro deste ano, cerca de 200 pessoas lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram o canteiro de obras da Andrade Gutierrez, no município de Russas, reivindicando lotes no perímetro irrigado. O problema foi resolvido com a cessão pelo DNOCS de 30 lotes para os sem-terra na área nordeste do Tabuleiro. Há também problemas burocráticos. Como os títulos de posse da terra ainda não estão em mãos dos irrigantes, eles não conseguem crédito no Banco do Nordeste. Muitos estão preferindo arrendar seus lotes para irrigantes vindos da área irrigada da Chapada do Apodi (Rio Grande do Norte), carreando parte da renda da produção para outra região. "Falta crédito e assistência técnica", resume o irrigante Luiz Barbosa, que planta abóbora, melancia e pimentão.