Título: Corte de taxa pode ser menor que o previsto
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2005, Brasil, p. A3

As negociações de produtos industriais da Rodada Doha podem resultar em redução de tarifas de importação inferior ao que temem os empresários brasileiros. Simulações realizadas pela Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) e obtidas pelo Valor sugerem que, na hipótese mais provável, o país cortaria as tarifas que incidem sobre um quarto do que o país importa. Os cálculos da CEB demonstram que a redução "real" das taxas atingiria 28% dos produtos importados. Esses itens representaram 25% dos US$ 44 bilhões em bens industriais que o Brasil comprou no exterior em 2003. Os cortes superiores a 6 pontos percentuais ocorreriam em apenas 1% dos produtos. Ainda assim, é significativa a mudança no perfil tarifário brasileiro. A tarifa máxima consolidada pelo Brasil na Organização Mundial de Comércio (OMC) cairia de 35% para 16,45%. As negociações da OMC são baseadas nas tarifas consolidas pelos países, que, muitas vezes, superam as taxas aplicadas. Considera-se corte "real" ou "perfuração" quando a redução é tão substancial que consegue efetivamente diminuir as tarifas cobradas pelos países. Cada setor absorveria o impacto de forma diferente. Um dos únicos a utilizar a tarifa máxima de 35%, o automotivo é o mais atingido. As tarifas de importações de veículos, tratores ou caminhões cairiam vertiginosamente para 16,45%. Perfumes e creme de beleza importados ficariam mais baratos, mas a queda não é tão expressiva. O Brasil consolidou na OMC tarifa de 25% para esses produtos, mas aplica 18%. Segundo a CEB, a taxa poderia cair para 13%. Fibras sintéticas e alguns tipos de materiais elétricos também são produtos cujas tarifas reais seriam reduzidas em 5 pontos percentuais. Mas há segmentos que não seriam afetados pela negociação. É o caso de alguns plásticos, que teriam a tarifa consolidada na OMC reduzida de 30% para 15%. Só que o Brasil já aplica 12%. No jargão diplomático, é um "corte na água". Depois do avanço na agricultura, os países ricos pressionam por concessões à indústria. Para que a Rodada Doha avance até a reunião de Hong Kong no fim do ano, os países terão que decidir qual fórmula matemática será utilizada para reduzir as tarifas. Há duas fórmulas na mesa de negociação: Suíça e Girard. Apresentada pelos suíços durante a Rodada Tóquio (1973-79), a Suíça corta proporcionalmente mais as tarifas mais altas. A fórmula Girard - sugerida pelo antigo mediador do comitê de produtos não-agrícolas da OMC, o embaixador suíço Pierre Louis Girard - pondera os resultados pela tarifa média de cada país. Ou seja, o país que, em média, possui tarifas mais altas, corta menos. A Girard é a fórmula preferida dos países em desenvolvimento, que possuem tarifas mais altas. Hoje, 93% das tarifas consolidadas pelo Brasil na OMC superam 20% e apenas 0,7% são inferiores a 4%. Nos Estados Unidos, é o inverso. Apenas 2% das tarifas americanas são superiores a 20%, enquanto 67% estão abaixo de 4%. Ao contrário do que ocorre na agricultura, o Brasil quer cortar as tarifas industriais o menos possível. A CEB testou as duas fórmulas com três coeficientes para cada uma. Coeficiente é um índice que define a magnitude do corte da tarifa. Quanto maior o coeficiente, menor o corte. Os resultados serão apresentados hoje, em São Paulo, durante reunião do Fórum Nacional da Indústria. Também participará da reunião o subsecretário para assuntos econômicos do Itamaraty, Clodoaldo Hugueney. As simulações realizadas pelos economistas da CNI, que é a coordenadora da Coalizão, servirão de subsídio para que os empresários comecem a decidir que fórmula e que coeficiente querem que o governo defenda nas negociações. Os economistas descobriram que a fórmula suíça com coeficiente 30 e a Girard com coeficiente 1 resultam em cortes iguais. Essas fórmulas são "intermediárias" e, por isso, têm mais chances de serem aprovadas. Os resultados foram descritos acima. O mais natural, porém, é que os empresários brasileiros tendam por uma fórmula e um coeficiente cujo impacto seja nulo. É o caso da Girard com coeficiente 3: apenas 1% das tarifas "reais" seriam reduzidas. Só que é pouco provável que os países desenvolvidos concordem. "Se fincarmos o pé, o Brasil pode ficar em situação difícil na OMC", alerta Lúcia Maduro, economista da CNI. O Brasil, em contrapartida, não concordará como uma situação como a prevista pela fórmula Suíça com coeficiente 1. Nesse caso, a indústria reduziria as tarifas "reais" de 68% dos produtos. Mais de 50% delas sofreriam cortes superiores a seis pontos percentuais. Também é possível que haja uma barganha entre a fórmula e outras formas de liberalização, como acordos para o fim das tarifas em um setor específico. "Às vezes é melhor aceitar uma fórmula do que um acordo setorial", pondera Lúcia. A negociação apenas começou e os empresários brasileiros estão longe de definir sua posição.