Título: Versão absurda
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2010, Brasil, p. 16

Assim o presidente da Comissão de Exame da OAB classifica a justificativa apresentada pelo homem encontrado com as respostas da prova. Decisão sobre a seleção sai no domingo Danilo Ambrozio, recém-formado em direito, está indignado com o episódio: ¿Estudei dois meses. Não gostaria que o teste fosse cancelado¿

A explicação dada pelo homem(1) flagrado com as respostas do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), aplicado no último domingo, escritas a lápis no Código Penal ¿ material permitido durante a prova ¿ não convenceu Edson Cosac Bortalai. Segundo o presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-SP, é ¿absurda¿ a versão apresentada pelo candidato. ¿Ele falou que nem sabia que aquelas anotações eram exatamente as respostas da prova, que ele teria pegado um Código Penal qualquer na biblioteca da faculdade onde estudou para fazer o exame. Isso não faz o menor sentido. Ou seja, ele deu tanta sorte que alguém escreveu, um Papai Noel talvez, exatamente tudo o que ele precisava saber para fazer o teste¿, ironiza Bortalai. A conversa com o suspeito ocorreu na segunda-feira, de acordo com o integrante da OAB-SP.

A Polícia Federal encaminhou ontem expediente para a instauração de um inquérito. O Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), alvo de várias denúncias de irregularidades em processos seletivos passados (veja memória), solicitou à reitoria da Universidade de Brasília (UnB), órgão ao qual é ligado, a abertura de uma sindicância interna. A despeito das explicações apresentadas pelo homem flagrado com as respostas da prova, Bortalai explica que a decisão da OAB federal, no próximo domingo, sobre o futuro do teste, terá como base o trabalho da PF nesta semana e o retorno das demais seccionais da entidade. ¿Estamos nos comunicando para detectar se houve problemas semelhantes em outros estados. Vamos aguardar um retorno da Polícia Federal também. Nesse contexto, o que esse rapaz nos disse não tem muito peso, ele será ouvido pelos investigadores. Baseados em todas as informações, decidiremos¿, afirma Bortalai.

Decisão A decisão pode ser o cancelamento apenas em Osasco, onde mora o homem que supostamente estava colando, em toda São Paulo, ou no país inteiro. Como o candidato fazia a prova de direito penal, é possível que só para essa área o teste tenha de ser repetido. Enquanto a OAB não decide o que fazer, Danilo Ambrozio, recém-formado em direito, sente-se prejudicado. O garoto de 24 anos não vê a hora de ter sua habilitação para começar a trabalhar. ¿Estudei dois meses para a prova, me preparei e acho que fui bem. Não gostaria que o teste fosse cancelado. Isso causa um transtorno muito grande para a gente, que precisa da carteira para procurar as oportunidades de trabalho¿, afirma Danilo.

Dezoito mil candidatos participaram da segunda e última etapa do exame da OAB, no domingo passado. Eles fizeram uma peça jurídica, uma espécie de redação, e mais cinco questões práticas de uma área do direito previamente escolhida, ainda no momento da inscrição. No total, são sete opções. O vazamento ocorreu na primeira vez que a OAB aplicou o teste unificado, ou seja, em todo o país, ao mesmo tempo. Para missão tão delicada, escolheu o Cespe. Antes, a seccional de cada estado cuidava da aplicação da prova que garante o direito de exercer a profissão.

1 - Suspeito Sem a identidade revelada pela OAB, o rapaz que supostamente foi retirado da sala por estar colando é um adulto, casado, e já formado há alguns anos. Não foi a primeira vez que ele tentou passar na prova, que garante o direito de exercer a profissão de advogado no Brasil. Ele teria lamentado, para integrantes da entidade em São Paulo, que depois desse episódio, em que se diz inocente, dificilmente conseguirá ter idoneidade para conseguir a tão almejada carteirinha.

Memória Os rolos do Cespe

Considerado uma das empresas organizadoras de concurso mais sérias e respeitadas do país, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), ligado à Universidade de Brasília (UnB), teve a imagem arranhada pela primeira vez em 2005, quando a Polícia Civil do Distrito Federal começou a desarticular um esquema de fraudes apelidado de Máfia dos Concursos. Hélio Garcia Ortiz, cabeça da negociata, e mais 29 pessoas foram denunciadas à Justiça Federal por estelionato, falsidade ideológica e fraude em licitações. Elas vendiam gabaritos a candidatos de seleções públicas.

A polícia chegou a prender 103 pessoas durante a aplicação da prova para agente penitenciário do Ministério da Justiça. As investigações do caso revelaram que um dos concursos fraudados foi o do Tribunal de Justiça do DF aplicado em 2003 pelo Cespe. Servidores que confessaram ter comprado o gabarito foram afastados.

Em 2008, outra denúncia abalou o Cespe. Dessa vez, tratava-se de desvio de recursos. A então diretora da empresa, Romilda Macarini, foi denunciada pela Operação Câmpus Limpo, realizada pela Polícia Federal, e acabou destituída da função por improbidade administrativa, não podendo ocupar mais cargos públicos. Irregularidades em contratos, licitações, despesas e atos administrativos foram descobertos nas investigações. (RM)