Título: Serafim demite 2,3 mil, congela tarifa e perde na Câmara
Autor: Patrick Cruz
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2005, Política, p. A12
Em apenas três meses de mandato, o prefeito Serafim Corrêa passou por um intensivão prematuro que nem seus assessores mais próximos haviam previsto. Foram três meses rápidos e movimentados para um político que estreou em administração pública. Já na posse, decretou estado de emergência para acabar com o lixo; teve seu pulso político questionado quando colocou em banho Maria a solução para a situação do sistema de transporte, considerado o pior problema da cidade; chamado de inábil por não se envolver nas negociações para as eleições da presidência da Câmara Municipal, resultando na derrota de seu candidato, Gilmar Nascimento (PSB) para Chico Preto (PPS), e católico praticamente, foi vaiado durante missa em uma das mais importantes paróquias de Manaus. Há quem diga que o prefeito deveria ter interferido nas negociações para a eleição da presidência da Câmara, mas o êxito nos acordos dependeria do clássico método do "toma lá dá cá". Os riscos eram grandes: uma vitória, condicionada ao clientelismo poderia ser mais comprometedora do que a derrota. A medida mais controvertida veio já na primeira semana. Demitiu 2,3 mi servidores que integravam grupos de trabalho em regime especial. A decisão, segundo o prefeito, aumentou a capacidade de investimento da prefeitura, cujo orçamento para 2005 está limitado a 7,93% de R$ 900 bilhões previstos. Deste montante, 5% são para dívidas antigas. Embora justificadas, as demissões foram criticadas não exatamente pelo ato drástico, mas por ter sido uma quebra de promessa de campanha. Gilmar Nascimento, líder do prefeito da Câmara, afirma que "os que realmente trabalhavam, foram mantidos, com troca de vínculo de emprego". Segundo ele, o caráter político preponderou. "Politicamente aparenta ser ruim (as demissões), mas vai trazer melhorias no serviço público". As demissões só perderam em polêmica para outra medida. A criação da Secretaria de Articulação Política, cujo titular é Marcelo Corrêa, filho do prefeito, e que havia sido candidato a vereador. Semana passada o prefeito deu o troco para quem esperava uma atitude mais veemente. Congelou a tarifa de ônibus em R$ 1,50, patrocinando trégua numa batalha que envolve usuários insatisfeitos, empresários amargurados e oposição que aguardava uma pisada de bola para reiniciar o confronto. Saiu fortalecido e, acompanhado do governador Eduardo Braga, ainda deu margens para especulações, durante coletiva onde anunciou o congelamento. Os dois estariam se aproximando para enterrar de vez a vida política de Amazonino Mendes. O que não é tarefa fácil. Aguardado com expectativa, numa eleição surpreendente que derrubou um mito do coronelismo caboclo, Serafim Corrêa é um político que administra sem fanfarra e claque. Progressista, mas discreto, distancia-se do perfil populista que marcou a carreira de políticos tradicionais do Amazonas, como Gilberto Mestrinho e Amazonino Mendes. Serafim, em campanha, não prometeu realizações. Seu discurso foi pautado por propostas de mudanças de procedimentos, de cultura e de comportamento administrativo. "Ele está dando um exemplo de ética sem demagogia", diz o senador Jefferson Péres (PDT), aliado de Serafim desde o início da campanha. "A eleição foi a quebra de um tabu, o de que a oposição nunca ganha", conta Perez, que diz estar em permanente diálogo com o prefeito de Manaus. Jefferson Péres diz que a tônica da administração do prefeito é a ética e a mudança de padrões políticos vigentes no Estado há décadas. A vitória de Serafim, diz o senador, surpreendeu grande parte da sociedade amazonense, pois muitos ainda desacreditavam ser impossível superar Amazonino . "O prefeito pode estar bem intencionado, mas está perdido", rebate o vereador Francisco Braz Silva (PP), apadrinhado de Amazonino Mendes. Para Braz Silva, o prefeito é "um cara bom que está mal assessorado". Apresentador de um programa de rádio, em emissora de propriedade do filho de Amazonino Mendes, Braz Silva vem denunciado o que considera uma contradição na reivindicada ética e transparência da administração de Serafim Corrêa. Cita como exemplo a contratação supostamente irregular de assessores para a Secretaria de Defesa do Consumidor, que só existe no papel. Outro opositor, Leonel Feitoza, acha que, embora três meses seja pouco, já era tempo de o prefeito ter mandado "limpar a cidade e tapar os buracos". Ele lembrou ainda um erro primário da administração, a confecção de 250 mil carnês do IPTU com valores superiores, obrigando a prefeitura a recolher todos eles, uma dívida de 500 mil, segundo o vereador. "Derrotamos um paradigma de tudo o que já havia sido feito antes", diz o próprio Serafim, referindo-se a uma forma de administrar que preza pelo que chama de transparência no trato do dinheiro público. Essa nova administração se traduz em medidas como colocar na internet o balancete mensal dos gastos do orçamento e promover audiências públicas, como a que debateu planilha do sistema de transporte, no início de março. O prazo para arrumar a casa está acabando. A partir de abril o prefeito pretende entrar na fase da funcionalidade. Uma das primeiras medidas é intensificar obras de recuperação de vias da cidade, visivelmente deterioradas. Já se cogita também a construção de cinco viadutos - outro grande problema de Manaus é a falta de vias que atendam o crescente número de veículos. Entre as medidas já tomadas está a equação dos precatórios de servidores, construção de escolas que havia sido interrompida (28 no total), reafirmação de acordos que recolocam em funcionamento de clínicas de saúde, concursos públicos para a Secretaria Municipal de Educação e uma comentada lei que isenta micro-empresas de alvará e ISS. Aliado de Serafim na Câmara, o petista Francisco Praciano diz que o prefeito tem o perfil da ética ideal para um Estado acostumado com clientelismo: "Ele inovou na publicidade de seus atos. É o surgimento de um discurso que estamos vendo na prática". O vereador cita como uma das demandas mais urgentes que precisam da atenção da prefeitura o precário sistema de fornecimento de água. "São seis anos de contrato numa cidade que deveria ter 95% de água potável até 2006. Só na Zona Leste (a região mais populosa e pobre de Manaus) 63% das casas tomam água de poço. É dever da prefeitura, no mínimo, cobrar esses serviços", diz Praciano. Economista e auditor da receita federal, Serafim Corrêa só havia exercido um mandato político entre 1988 e 1996, quando foi vereador. Sua candidatura para prefeito foi, ao longo de 2004, marcada por pessimismos. Quase ao final da campanha, recebeu uma bordoada que poderia derrubar sua candidatura, nos moldes da campanha de Lula, em 1989: a médica Maria Soraia apareceu em audiência na Câmara Municipal, acusando Serafim de ter um filho com ela e de tê-lo abandonado. A história não emplacou. Um dossiê, nunca divulgado publicamente, mas anunciado como crível, tratava a médica com uma embusteira que já tinha dito a mesma história em Pernambuco, contra um desembargador. Como resultado da bravata, uma queda de 15% no suposto favoritismo de Amazonino. O candidato derrotado, contudo, planeja um retorno breve. Um jornal de sua propriedade está para ser lançado e há quem diga que ele quer mais: uma emissora de televisão.