Título: Novas pressões contra a reforma tributária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2005, Opinião, p. A16

Quando se coloca na mesa a discussão em torno de uma reforma tributária, fica implícito o reconhecimento de que existem distorções sérias num sistema que é, em última instância, a consolidação de um pacto federativo. Se a repartição de impostos entre entes federados e o equilíbrio na arrecadação são reconhecidos como deficientes, perde a Federação como um todo. Se não existe racionalidade federativa, o contribuinte deixa de ter garantias do limite do poder de tributar do poder público e da própria eficiência dos entes federados de usar o produto da arrecadação para o bem estar da população. Há uma década a discussão está na mesa. Há uma década perdem-se chances de discutir seriamente o sistema tributário. A primeira etapa da reforma serviu basicamente para que o Executivo assegurasse uma elevação da carga tributária e garantisse alguma compensação para os Estados exportadores. A segunda etapa, que se desenrola agora no Congresso, cujo centro é a unificação do emaranhado das legislações e alíquotas do ICMS, tem esbarrado nos interesses dos Estados e municípios, que com receio da perda de receita, têm exigido mais recursos da União - desta vez, via aumento do repasse do Fundo de Participação dos Municípios em um ponto percentual. O agravante, dessa vez, é que um Executivo federal enfraquecido está disposto a ceder, menos por desejo de sua equipe econômica e mais pela pressão que vem do próprio Partido dos Trabalhadores, com o apoio dos desafetos do ministro Antonio Palocci em postos importantes do governo. O fatiamento da reforma já foi um erro em seu primeiro momento. Agora, tende a procrastinar os pontos mais importantes para a racionalização do sistema tributário. Uma reforma tributária que contemple apenas um lado da moeda, os municípios, não é uma repactuação federativa. Não dá racionalidade ao sistema. Não dá garantias ao contribuinte. Não resolve a disputa fratricida entre Estados, na forma da famigerada guerra fiscal. Ela será apenas uma forma de retaliação ao governo e à equipe econômica, mas uma vingança pessoal que atinge todo o país. O fatiamento apenas seria descartado mediante recuos na unificação do ICMS - a mudança que é a alma da reforma - e o aumento no Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que seria um mecanismo para os Estados driblarem parcialmente as vinculações constitucionais para a saúde e a educação. O produto final será um sistema onde as atuais brechas que permitem a guerra fiscal são atenuados, mas não deixariam de existir, na forma de uma folga de cinco pontos percentuais em alíquotas de determinados produtos a que os governadores poderiam recorrer em alguns casos, em tese para defender-se de uma suposta queda de arrecadação. Nada impede que esse instrumento seja usado para conceder vantagens a setores econômicos específicos com a finalidade de atraí-los para determinadas regiões. A emenda original já foi dividida na negociação feita para sua aprovação pelo Senado - e daquela casa saiu uma proposta que, na verdade, unificou a alíquota mínima de ICMS para cima - de 4% para 7%. O governo já concordou em ceder neste ponto, sem ter sequer que chegar a discutir, pela oposição dos governadores, um ponto que seria essencial à reforma - a definição da cobrança no destino das mercadorias. Dado que as negociações estão levando os governadores a obterem várias vantagens, como mais verbas para o Fundo de Desenvolvimento Regional, os municípios sentiram que era chegada a hora de obter o seu quinhão. Além da articulação do próprio PT a favor de seu pleito, as prefeituras ganharam também um aliado na presidência da Câmara. Severino Cavalcanti chegou a dizer, nas últimas semanas, que aprovaria uma reforma cuja única mudança seria o aumento do FPM. Criticado por suas ações, sob a mira do governo e da opinião pública, na semana passada Severino purgou um pouco de seu desgaste ao ser reverenciado por empresários, por conta da retirada da MP 232. Na próxima semana vai usar os prefeitos para limpar um pouco mais a sua imagem. Os prefeitos vão aceitar isso em troca de um por cento do FPM e deixar a discussão municipalista, mais uma vez, para um futuro longínquo. E de fatia em fatia, vai se perpetuando um injusto sistema tributário, que está sendo reformado aos poucos, com muita lentidão e tarde demais.