Título: A relevância e a urgência do incentivo à inovação
Autor: Luciano Coutinho
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2005, Opinião, p. A13

Depois que o governo Reagan lançou uma política de incentivos fiscais à inovação, em 1982, passou a ser aceitável entre as economias de mercado promover ativamente a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. A ortodoxia reconheceu que os mercados não lidam eficientemente com os riscos da inovação. Hoje em dia, quase todos os países desenvolvidos e emergentes mantêm estímulos à P&D e os estudos recentes atestam sua eficácia. Por exemplo: estudo de julho de 2003, de B. Anthony Billing, constata que as subsidiárias de empresas americanas realizam muito mais pesquisas nos países que asseguram incentivos fiscais do que nos países que não os concedem. Tomando-se os doze principais países que dão benefícios, a taxa de crescimento da pesquisa das subsidiárias no Japão, México, Irlanda e Brasil (aqui contados só os incentivos de informática) é maior, até mesmo, do que o mesmo índice das suas matrizes nos Estados Unidos. Com a exceção da Lei de Informática, o Brasil, infelizmente, não dispõe na prática de incentivos à inovação. O nosso quadro é desolador. Segundo estudo da ANPEI, de 2004, com base em informações do IBGE (PINTEC), apenas 6,3% das empresas fazem inovações de produtos, e, desses, apenas 4% das indústrias com mais de 10 empregados lançam produtos que são novos para o mercado. Considerando as empresas de capital nacional como um todo, 67% não dão qualquer importância à inovação, e 86% não se interessam nem em importar tecnologias prontas. Das poucas que se consideram inovadoras, 77% acreditam ter feito inovação comprando máquinas novas. A média brasileira de gastos anuais em pesquisa é de apenas R$ 500 mil. Decepcionante! A média de pessoas envolvidas de um jeito ou de outro em pesquisa nas empresas brasileiras (inclusive as subsidiárias estrangeiras) é de seis. Nas empresas de capital nacional, o número de pesquisadores com nível superior desce para um pouco menos de dois. Algo tem de ser feito para mudar esse panorama. Seguindo o exemplo dos países da OECD, não pode o Brasil prescindir de um elenco de incentivos fiscais bem azeitado e com boa pontaria. Qual a receita? Os incentivos servem para induzir o investimento nas áreas de risco maior para o empresário, levando em conta também o interesse público. Com uma taxa tão baixa de pessoas ocupadas em pesquisa, um objetivo primordial deve ser de incentivar as empresas a alocar mais gente para tais atividades. Dever-se-ia aliviar o peso dos encargos sociais e fiscais sobre o pessoal especializado em P&D. Com isso, não só se estimularia o emprego de pesquisadores (técnicos, mestres e doutores) na iniciativa privada - onde hoje não encontram emprego - como também se criaria capacidade inovativa nas empresas, convivendo a inteligência com a produção. O segundo objetivo principal é diminuir as barreiras que dificultam os produtos da inovação das empresas entrar no mercado. Entre um produto estrangeiro consagrado, com marca reconhecida, e uma invenção feita no país, qual será - com preços iguais - o escolhido pelo consumidor normal? Há que se viabilizar a competitividade - preço do produto inovador -, permitindo que o novo também seja atrativo.

Governo deve desonerar as atividades inovadoras para torná-las mais atraentes, considerado o risco que carregam

Os países da OECD não ficam por aí. Não só permitem que as empresas deduzam todos os custos reais de pesquisa como também dão prêmios adicionais. Por exemplo, para cada libra gasta em inovação, o Reino Unido dá ao inovador 7,5% de rebate. Fora da OECD, a Índia chega a oferecer mais de 100% de prêmio no setor de biotecnologia. Os benefícios econômicos da inovação justificam plenamente a renúncia fiscal. Se o empresário compra equipamentos para laboratório, assumindo o risco de prejuízo se a pesquisa não chegar a qualquer resultado, é irracional cobrar sobre esses equipamentos o mesmo imposto devido por máquinas de videogame. Se é preciso importar tecnologia para, com ela, gerar invenção nova, não faz sentido fazer pagar impostos equivalentes aos incidentes sobre bens de consumo. A receita é simples: desonerar fiscalmente os elos das atividades inovadoras, tornando-as mais atraentes, considerado o risco que carregam. Não se trata, obviamente, de dar presente às empresas, mas de garantir um ingrediente essencial ao desenvolvimento brasileiro, que precisa de inovação para levar o país, o mais rapidamente possível, ao estágio de país desenvolvido. A Coréia seguiu essa trilha desde os anos oitenta e obteve frutos recompensadores. O governo Lula se debruça, nesse momento, sobre a questão dos incentivos à P&D. A Lei de Inovação aprovada no fim de 2004, na qual se depositou tanta esperança, determina que se mande para o Congresso uma lei nova, melhorando os incentivos que vinham sendo praticados desde 1987. Na verdade voltando a concedê-los, pois lamentavelmente, desde 1997, quando se cortaram os incentivos em geral depois da crise asiática, na prática não existem mais benefícios fiscais para a atividade inovadora. O momento, porém, não parece favorável a isso. Após o episódio recente de rejeição da Medida Provisória 232, poderiam alguns dizer que fica difícil mandar ao Congresso propostas de renúncia fiscal. Pondere-se, contudo, que não se pode dar mais importância à efemeridade de curta visão diante do flagrante atraso histórico brasileiro em matéria de inovação. Sem desconsiderar a necessidade de executar a meta de superávit fiscal primário, as autoridades econômicas precisam começar a melhorar substancialmente a qualidade da política fiscal e deveriam reavaliar seriamente os alvos/prioridades das renúncias fiscais. Um ano depois de lançar sua política industrial, tecnológica e de comércio exterior - ainda incipiente - o governo tem a oportunidade de propor ao Congresso o que pode ser um dos principais instrumentos dessa política: uma lei de incentivos fiscais moderna, que realmente mexa com a conduta tecnológica da empresa nacional e produza efeitos positivos sobre a competitividade da economia. Dentre esses efeitos, caberia almejar o aumento das exportações de produtos dinâmicos, aumentar o número de patentes nacionais, no Brasil e no exterior, e atrair investimentos de multinacionais em centros de P&D no país.