Título: O papel da oposição
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Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2010, Opinião, p. 28

É mais delicado do que percebem certas lideranças dos partidos de oposição o momento que vive a jovem democracia brasileira. É prejudicial ao país, ao contrário do que sugerem os que se acomodam e ainda acreditam em candidaturas naturais, o vazio e o desalento que toma conta dos que, a essa altura, já deveriam estar aquecidos para defender mudanças no comando político da Nação. A verdade é que não está funcionando a velha fórmula dos que acham que tudo se arranjará, simplesmente porque alguns iluminados decidiram o que seria melhor para todos da oposição. Nos tempos da comunicação farta e instantânea, tudo se propaga com rapidez eletrônica, seja o entusiasmo contido em uma mensagem oportuna e consistente, seja o desalento provocado pela frustração de uma escolha feita de costas para a realidade. Mantida pela arrogância dos que se recusam a reconhecer a falta de empolgação, a provável candidatura do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), à Presidência da República, não tem dado sinais senão de desgaste e de perda de terreno, a despeito dos méritos incontestáveis desse competente administrador público.

Pesquisas de intenção de voto e rejeição de nomes não deixam dúvida quanto à facilidade que a até há pouco desconhecida ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem tido de avançar como candidata oficial. Empurrada pela inédita aprovação popular do presidente Luiz Inácio da Silva, que teve o senso de oportunidade de antecipar a campanha, ela voa a favor do vento, já que não encontra qualquer resistência, nem mesmo da Justiça Eleitoral. Com a ascensão da candidata oficial, fica evidente o efeito devastador sobre o ânimo da militância partidária da oposição, frustrada com uma escolha que nada de novo acrescenta e perplexa com a falta de ação dos partidos ante a irrefreável armação de palanques, viagens e aparições da concorrente. A base não tem como evitar a impressão de que as velhas elites partidárias que há oito anos eram governo não percebem que o eleitorado está ansioso por novas propostas, rostos e mensagens que podem ser chamadas de novidades a ser oferecidas pela oposição.

Ao persistir nesse equívoco e nesse marasmo, essas lideranças correm o risco de impor ao país algo ainda pior do que a eleição plebiscitária desejada por Lula, ou seja, a simples aclamação, sem debate ou crítica, da candidatura oficial. De fato, são os movimentos, ou a falta deles, no tabuleiro das aglutinações de apoio e formação de chapas que costumam dar a exata dimensão do confronto que se travará nas urnas. Afinal, trata-se da preparação para o evento maior da democracia, aquele em que o personagem mais importante, o eleitor, é chamado não apenas a opinar, mas a decidir quem e com que propostas vai assumir o comando do país. É assim nas repúblicas presidencialistas e o regime será tão mais saudável quanto mais o povo votar e, principalmente, quanto mais opções de qualidade tiver o eleitor. É também assim que se mantém o princípio da alternância no poder, fundamental para as democracias dignas desse nome, bem como para o arejamento das inteligências e a renovação do entusiasmo daqueles em que a sociedade deposita o correto funcionamento das instituições. Negar isso ao eleitor será incompreensível recusa ao decisivo papel que, na democracia, cabe à oposição.