Título: Peronismo divida os argentinos até hoje
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2005, Especial, p. A12

O debate sobre o que significa ser peronista divide até hoje os argentinos. O termo é usado para definir políticos identificados tanto com a esquerda, como Kirchner, quanto com a direita, como o ex-presidente Carlos Menem. Para complicar, o Partido Justicialista (PJ, peronista), atua como governo e oposição, e o presidente busca ampliar sua base em setores da classe média, eleitorado tradicional da União Cívica Radical (UCR). A atuação do presidente resgata elementos da primeira gestão de Juan Domingo Perón, que, como Kirchner, era torcedor do Racing. Para conter aumentos de preços, Perón instituiu no início dos anos 50 a chamada Lei do Ágio e Especulação, estabelecendo multas e prisão para comerciantes que aumentassem preços acima dos tabelados pelo governo. "Meu sogro ficou dez dias na cadeia por vender um cacho de banana por um peso acima do preço tabelado", disse o taxista Norberto Carlos Rieder, 73. Em vez dos piqueteiros, grupo de desempregados que apóia Kirchner, Perón tinha a CGT. Um protesto dessa central sindical em outubro de 1945 foi fundamental para a ascensão de Perón, que havia sido destituído da Vice-Presidência e preso. Seus opositores o acusaram de, uma vez no poder, pressionar comerciantes e empresários por doações, que eram distribuídas pela Fundação presidida pela primeira-dama Eva Perón. Em seu primeiro governo, Perón conseguiu controle sobre quase toda a sociedade, incluindo empresariado, sindicatos, Forças Armadas e imprensa. Em 1951, expropriou o jornal "La Prensa", um dos poucos críticos a seu governo. Com os EUA, sua relação foi marcada por constante ambigüidade. Perón foi adido militar argentino na Itália, e se aproximou do fascismo. Paralelamente à sua ascensão, em meados dos anos 40, a Argentina sustentou posição de neutralidade na Segunda Guerra e só declarou guerra ao Eixo às vésperas da rendição, em 1945. Em 1946, Perón usou afirmações do embaixador dos EUA, Spruille Braden, para polarizar a eleição que o levou ao poder. Relatório de Braden apontava ligações do general com o nazi-fascismo. Isso serviu para que Perón invocasse o nacionalismo e vencesse. No poder, Perón tentou manter uma "Terceira Posição" entre os dois opostos da Guerra Fria, e professava o Justicialismo como projeto de inserção do operariado no mercado por meio de aumento de seu poder de consumo, como forma de deter o avanço comunista. A única instituição que Perón não conseguiu controlar foi a Igreja Católica. Ele acreditava que o Partido Democrata Cristão, apoiado pela Igreja, ocuparia espaço do Justicialismo. Após a criação do partido, Perón retirou a obrigatoriedade do ensino religioso, sancionou o divórcio e legalizou prostíbulos. Os ataques fizeram com que a Igreja aglutinasse a oposição antiperonista, e o conflito sofreu uma escalada. Em 1955, militares católicos organizaram uma rebelião e bombardearam a praça de Maio. Em resposta, peronistas incendiaram igrejas da capital. O conflito levou à queda de Perón, que partiu para o exílio e só voltou à Argentina (e ao governo) em 73.