Título: Líder piqueteiro confirma lealdade ao governo
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2005, Especial, p. A12

Luis D'Elia, o líder piqueteiro que no mês passado organizou os bloqueios aos postos de gasolina da Shell, advertiu que os que quiserem investir na Argentina têm de saber que "não poderão mais fazer o que querem, terão limites muito concretos". "Porque aqui houve uma grande entrada de capitais nos anos 90 e tivemos a pior catástrofe social da história", afirmou. D'Elia, que é deputado provincial em Buenos Aires, lidera a Federação Terra e Moradia, um dos maiores grupos organizados de desempregados do país, que segundo ele tem 125 mil integrantes. Destes, 40 mil receberiam um subsídio estatal de 150 pesos mensais entregue pelo governo. Militantes do grupo entraram em ação pouco após o presidente Kirchner ter ordenado o boicote à Shell porque a empresa aumentou os preços da gasolina e do diesel. Sem que a polícia interferisse, os piqueteiros bloquearam o acesso a alguns postos, picharam slogans contrários à empresa e em apoio à estatal energética Enarsa, criada no ano passado por Kirchner. Em entrevista ao Valor, D'Elia disse que o próximo foco de ação do grupo será a renegociação com as empresas de serviços públicos privatizadas. Desta vez, porém, não deve haver bloqueios ou manifestações nas empresas. A mudança de tática é reflexo da repercussão negativa dos ataques à Shell, que levaram o governo a tomar distância do grupo de D'Elia. Apesar disso, o líder piqueteiro não esconde seus contatos com autoridades. Sua assessoria adiou por duas vezes a entrevista com o Valor, e um uma das ocasiões a justificativa foi que D'Elia teria de atender ao chamado para uma reunião urgente na Casa Rosada. "Sou aliado leal do governo", disse. Leia abaixo trechos da entrevista. Valor: Como vai ser a atitude do grupo do sr. na negociação com as empresas privatizadas? D'Elia: Em 20 de abril vamos à audiência pública das empresas elétricas, que estão pedindo um aumento de 80% nas tarifas. Por isso vamos nos mobilizar, pedir a palavra e expor sobre questões-chave: a realização de novos investimentos e tarifa social. Valor: E pretendem fazer bloqueios ou ataques às empresas? D'Elia: Aí não. Esperamos ter uma mobilização grande, mas fazer uma ação direta nas empresas seria uma provocação que somente favoreceria a eles. Valor: Então o modo de agir vai ser diferente do que foi com a Shell? D'Elia: Sim. Valor: Como o sr. avalia o que aconteceu nos postos da Shell? D'Elia: Minha avaliação é positiva. Conseguimos chamar a atenção da sociedade para o problema dos aumentos de preços. Valor: Faria isso de novo? D'Elia: Sem dúvida. Apresentaram as coisas como se quiséssemos queimar os postos de gasolina. Estivemos por duas horas distribuindo panfletos. No nosso país, onde quase não há democracia informativa, quiseram apresentar isso como um ato violento. Violento é criar inflação. Valor: O sr. não acha violento bloquear o acesso e pichar postos? D'Elia: Os grafites são violência? É uma visão módica da violência. O mercado é autoritário. O mínimo questionamento à sacrossanta propriedade privada desatou essa confusão enorme. Valor: Como definiria a relação que tem com o governo? D'Elia: Eu sou um aliado leal do governo, que ajuda nas coisas fundamentais, mas também tem diferenças, e quando discordo digo diretamente ao governo. Valor: O sr. é peronista? D'Elia: Não sou do Partido Justicialista, mas sou peronista Valor: Como define o governo ? D'Elia: É um governo de centro esquerda, nacional e popular. Valor: O sr. vê semelhanças entre as atitudes de confronto com o empresariado que tem Kirchner e as ações de Perón? D'Elia: Sim, e me parece muito positivo. Porque os grupos econômicos, a maioria transnacionalizados, aqui se comportam de maneira diferente do que ocorre no Brasil. A burguesia brasileira é nacionalista, aqui são depredadores e estão todos transnacionalizados. Não sentem sua responsabilidade como burgueses. Valor: O sr. acha que o peronismo continua vigente como modelo político para a Argentina? D'Elia: O peronismo é uma idéia, cultura, mas é preciso ir a um modelo político transversal, onde possamos juntar identidades, do centro à esquerda.