Título: O câmbio e os preços externos
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Brasil, p. A2

Mesmo com a rápida ampliação do comércio mundial e com o aparecimento de novos produtores e de grandes mercados regionais, o dólar norte-americano continua sendo a moeda mais importante como unidade de medida dos preços e reserva de valor dos ativos. Talvez mais do que 60% do volume de comércio mundial têm seus preços estabelecidos em dólares norte-americanos, não importando a moeda dos países envolvidos. Nos países cujo movimento de capitais é controlado, a taxa de câmbio é fortemente influenciada pelos objetivos da política que conduz a sua administração e o saldo comercial tem pouca importância relativa na sua fixação. É o caso, por exemplo, da China, cuja rápida expansão das exportações e acumulação de reservas através de um câmbio desvalorizado é um dos objetivos da afirmação do seu "poder" no espaço político internacional. Nos países com liberdade de movimento de capitais e cuja moeda é amplamente aceita para a constituição de reservas internacionais, como é o caso dos EUA, por exemplo, o valor da sua moeda com relação à cesta de moedas dos países envolvidos em seu comércio é o preço de um ativo que se ajusta instantaneamente às condições de oferta e procura produzidas pela formação dos "portfolios" dos agentes. Estes levam em conta as expectativas de sua taxa de retorno e os "riscos" envolvidos em sua variação. Aqui, também, a taxa de câmbio tem pouca coisa a ver com os saldos comerciais uma vez que as operações financeiras, estimuladas por toda a sorte de arbitragem com derivativos de diversas naturezas, são milhares de vezes superiores, por dia, às variações daqueles saldos.

Dólar é usado em 60% do comércio mundial

O paradoxal é que a taxa de câmbio real, isto é, a relação entre os preços externos e internos de uma economia, que controla o equilíbrio das exportações e importações e influencia a taxa de crescimento do PIB e do emprego, é formada no mercado de capitais e não no mercado de bens e serviços, de forma que pode flutuar amplamente e por longo tempo sem atender ao objetivo de produzir o equilíbrio da economia real. O dólar americano do início dos anos 80 é um dos exemplos dos males que tais flutuações podem produzir na estrutura produtiva dos países. Outros exemplos são mais recentes, como foi o caso do Brasil no primeiro mandato de FHC, quando se utilizou a maior taxa de juro real do mundo para manter sobrevalorizada a taxa de câmbio. Há suspeitas que o mesmo possa estar ocorrendo agora, devido ao diferencial de juro real interno e externo construído pela política monetária do Banco Central.

Quando um país constitui através do saldo das suas exportações um ativo em dólares ele enfrenta o problema de como "preservar o seu valor". Para as importações que normalmente faz dos EUA, o problema é simples: aplica a reserva a uma taxa de juros positiva (maior do que a taxa de inflação americana). Mas como defender-se da desvalorização do dólar face às outras moedas com relação à parte que importa do resto do mundo? Por exemplo: como um país exportador de petróleo (cujo preço é fixado em dólar) defende seu poder de compra, se exporta em dólares e importa 50% em euros? Dependendo da estrutura da indústria e de seu "poder" sobre seus preços, a forma prática é ir (juntamente com todos os outros fornecedores) ajustando os "preços em dólares" de suas exportações. O petróleo está a quase US$ 60 o barril por muitos motivos, um dos mais importantes é o fato de o dólar valer hoje apenas 0,76 euros, quando costumava valer 1,10 euros. O gráfico abaixo mostra a relação entre o valor do dólar (determinado como um ativo financeiro no mercado internacional de capitais) medido pela taxa de câmbio nominal efetiva, e o índice do preço em dólares das mercadorias construído pelo Commodity Research Bureau. Vemos claramente uma mudança de tendência: entre janeiro de 1999 e janeiro de 2002 o dólar valorizou-se em torno de 10% e os preços caíram cerca de 7% ou 8%. A partir do início de 2002 até fevereiro de 2005 o dólar inicia um processo de desvalorização que atinge 15%, enquanto os preços das "commodities" cresceram quase 40% (muito influenciados pelo petróleo). É este fator que tem minorado as conseqüências da valorização do dólar em muitos países, inclusive no Brasil. A elevação eventual da taxa de juros nos EUA, entretanto, valorizará o câmbio americano e derrubará os preços. É por isso que todo cuidado é pouco...