Título: Desacordo com respeito
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2010, Mundo, p. 30

Hillary Clinton traz recado de Obama pedindo linha dura com o Irã. Lula e Amorim insistem no diálogo O presidente brasileiro entre a secretária de Estado e o ministro Amorim: ¿Divergência é discussão, é troca de pontos de vista¿

Com muita diplomacia, Brasil e Estados Unidos discordaram sobre os rumos das negociações sobre o programa nuclear iraniano, mas acertaram o passo em relação a questões da América Latina e à cooperação com a África. A secretária de Estado Hillary Clinton veio ontem a Brasília mandar o recado do presidente Barack Obama ¿ inclusive ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se reuniu à tarde. Ao contrário do Brasil, os EUA consideram que as negociações para impedir os iranianos de enriquecer urânio falharam, portanto o caminho é aprovar mais sanções contra o regime islâmico. A diferença pública foi minimizada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim: ¿No nosso caso, divergência é diálogo, é discussão, é troca de pontos de vista¿.

¿Assim que a comunidade internacional falar em uníssono, os iranianos virão e negociarão novamente¿, disse Hillary na entrevista coletiva que concedeu ao lado do colega brasileiro, no Itamaraty. ¿Só depois que aprovarmos sanções no Conselho de Segurança da ONU é o que o Irã negociará de boa-fé¿, argumentou. A posição é a mesma defendida pelo número dois da diplomacia israelense, Rafael Barak, que visitou Brasília na semana passada.

Antes mesmo de receber a visitante, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tinha reafirmado, pela manhã, a opção brasileira por dialogar com Teerã. ¿O Brasil mantém sua posição. O Brasil tem uma visão clara sobre o Oriente Médio e sobre o Irã. O Brasil entende que é possível construir outro rumo. Eu já disse para o Obama e o (presidente francês Nicolas) Sarkozy: não é prudente encostar o Irã na parede. O que é prudente é estabelecer negociações¿, disse Lula.

Na coletiva do Itamaraty, Amorim foi ainda mais incisivo sobre o tema. ¿Não se trata de se curvar simplesmente a uma opinião que possa não concordar (com os EUA). Nós não podemos ser simplesmente levados. Nós temos de pensar com a nossa cabeça. Nós queremos um mundo sem armas nucleares, certamente sem proliferação¿, afirmou. Segundo o ministro, o governo brasileiro considera que ainda há espaço para negociar com o presidente Mahmud Ahmadinejad. ¿Acreditamos que há oportunidade de chegar a um acordo, talvez exija um pouco de flexibilidade de parte a parte¿, acrescentou.

Mentiras Hillary, por sua vez, disse que respeita ¿a crença brasileira¿ nas negociações, mas insinuou que o governo iraniano mente à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a outros interlocutores externos sobre os propósitos de seu programa nuclear. ¿O que observamos é que o Irã vai para o Brasil, a China e a Turquia e conta histórias diferentes, para evitar as sanções. Nós continuaremos a discutir essas questões¿, afirmou a secretária. Amorim lembrou que o mesmo tipo de acusação sobre a existência de armas de destruição em massa foi feito ao Iraque e não se confirmou, mas causou uma ¿destruição enorme¿ ¿ uma referência à invasão norte-americana, em 2003.

O governo Lula se posiciona na questão levando em conta que o Irã ¿ como o Brasil ¿ é signatário do Tratado de Não Proliferação (de armas nucleares), e portanto tem direito a dominar plenamente o uso civil da energia atômica, inclusive o enriquecimento de urânio. ¿Eu quero para o Irã o mesmo que quero para o Brasil: utilizar o desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos. Se o Irã tiver concordância com isso, terá apoio do Brasil. Se quiser ir além disso, irá contra ao que está previsto na Constituição brasileira e, portanto, não podemos concordar¿, disse o presidente.

No encontro que teve com Hillary, Amorim seguiu a mesma linha e ressaltou indiretamente características que poderiam se referir também ao Brasil. ¿O Irã é um país grande, complexo. É um país que não vai se conformar com algo totalmente imposto a ele¿, disse o chanceler. No fim do dia, depois de receber a secretária no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória do governo, Lula mencionou que o assunto poderá ser retomado nas visitas a Jordânia, Palestina e Israel neste mês e na visita ao Irã em maio, uma ¿oportunidade de falar com os países para uma solução pacífica¿.

Eu já disse para o Obama, o Sarkozy, que não é prudente encostar o Irã na parede. O que é prudente é estabelecer negociações¿

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

Nós apoiaríamos qualquer esforço sincero do Irã, mas acreditamos que só depois das sanções é que o Irã vai negociar de boa-fé¿

Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA