Título: Chávez dá novos passos em direção à ditadura
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Opinião, p. A12

A Venezuela caminha para uma ditadura ou uma nova fase de mais instabilidade política, ou ambas. A trajetória crescente de radicalização interna do presidente Hugo Chávez está perto de destruir os poucos vestígios de democracia de sua "revolução bolivariana" para mergulhar em uma aventura autoritária. O principal artífice da instabilidade é o próprio Chávez. A decisão oficial de criar milícias civis armadas é um passo largo em direção à intimidação política e à conquista de um poder pessoal no pior estilo dos caudilhos que infernizaram o continente no século passado. O decreto que criou as milícias, que poderão agrupar 1,5 milhão de pessoas, diz que sua função será a de "ajudar na defesa e sustentação da segurança da nação" e "integrar progressivamente a sociedade civil ao exercício do dever de co-responsabilidade na manutenção da paz nacional". Os objetivos são claros e não se restringem ao temor sempre presente de Chávez de ser assassinado por inspiração do governo de George Bush ou de ter seu país invadido pelos marines. A manutenção da "paz nacional" poderá se dar a partir de agora com ruidosos chavistas armados atemorizando a oposição ao governo, que vem minguando a olhos vistos, ao passo que o presidente concede a si mesmo cada vez mais poderes. A trajetória do mandonismo de Chávez segue passos lógicos e céleres. O plebiscito convocado pela oposição para destroná-lo fracassou. Na sua esteira, em vez de gestos conciliadores, o presidente fechou progressivamente o caminho institucional para a manifestação dos partidos políticos que não aceitam seus preceitos. Em um país onde o Estado é o maior dono das terras, iniciou-se uma reforma agrária com o confisco de fazendas de propriedade de estrangeiros. A reforma educacional recém-encaminhada pelo presidente pode abrir caminho à lavagem cerebral típica de regimes stalinistas em decomposição. O passo mais grave, porém, foi a legislação aprovada pelo Congresso que torna objeto de retaliação do Estado manifestações típicas da democracia, como críticas ao presidente ou realização de passeatas em defesa de reivindicações políticas ou econômicas. Após fracassar em uma tentativa de golpe de Estado, Chávez foi levado à presidência pelas urnas em 1998 e parece decidido a se perpetuar no poder. Há poucas dúvidas de que conseguirá se reeleger por um período de mais seis anos em 2006. Seu populismo autoritário não faz mal apenas às instituições políticas, mas se estende à economia, onde está minando as forças da fonte quase única de recursos do país - a estatal de petróleo PDVSA. Há sinais de que a empresa começa a sofrer de penúria de capitais para cumprir sua meta de chegar a produzir 5 milhões de barris por dia em cinco anos. Segundo a revista americana "BusinessWeek", alguns importantes poços estão tendo seu nível de produção reduzido em um quarto a cada ano e o número de novas perfurações para novos poços caiu pela metade entre 1997 e 2005. Chávez resolveu também apertar o cerco às companhias estrangeiras de petróleo, que respondem por quase metade da produção. Ele elevou os royaties de 1% para 16,6% das empresas que operam na bacia do Orinoco e estabeleceu que novas parcerias terão termos mais favoráveis ao governo - 30% de royalties e 51% de participação da PDVSA. Com a produção estabilizada ou cadente e medidas que afugentam investidores, o governo venezuelano poderá em breve ficar com recursos menores para programas sociais. Durante décadas, conservadores e liberais esbanjaram as receitas de petróleo venezuelano e deram às costas à miserável população do país. A eleição de Chávez rompeu com esse esquema político decrépito, que sofreu novo revés com o golpe de Estado fracassado de 2003. Chávez está sendo incapaz de livrar-se da dependência do petróleo e de dar novas esperanças e força ao jogo democrático. Ao retirar o monopólio da força do Exército e ameaçar deslocá-lo para as milícias sob comando de acólitos, Chávez está mexendo com fogo e incentivando insatisfação entre os militares, que lhe foram leais até agora. É uma jogada de altíssimo risco. O aventureirismo de Chávez tem contado com o beneplácito do governo Lula, que dá um manto protetor retórico à escalada ditatorial do vizinho. "Não aceitamos difamações contra companheiros", disse recentemente Lula, diante do primeiro-ministro espanhol, José Luiz Zapatero. Resta saber o que ele fará diante da verdade. Há riscos para a democracia na Venezuela e a diplomacia brasileira, por enquanto, dá a Chávez atestados de bom comportamento.