Título: Cuidado com as exportações recordes
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Opinião, p. A11

As exportações brasileiras continuam crescendo fortemente. Com a elevação de preços de algumas commodities, o saldo comercial está sendo revisto para cima e não será grande surpresa se superar os US$ 33 bilhões de 2004. O mais espetacular é o desempenho dos manufaturados, que cresceram no primeiro trimestre deste ano mais de 37,5%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Com o desempenho excepcional das nossas exportações nos últimos dois anos, e com os manufaturados liderando as exportações neste primeiro trimestre do ano, alguns analistas e o governo vêm concluindo que a valorização da taxa real de câmbio não constitui problema, pois teríamos passado por uma transformação estrutural e entrado numa nova trajetória exportadora que se sustentaria nos próximos anos. A prova definitiva desta afirmação viria do fato de que as exportações de manufaturados, que dependem muito mais da taxa real de câmbio do que os produtos básicos, ainda assim lideram as exportações num período de forte valorização do real. Para alguns analistas mais apressados, haveria espaço para valorização adicional do real, pois as importações vêm crescendo abaixo do esperado e mais de US$ 33 bilhões de dólares de superávit comercial seria excessivo. Não há dúvidas de que o quantum de exportações brasileiras vem crescendo de forma espetacular nos últimos dois anos. Será uma maravilha se este desempenho se repetir nos próximos anos com a atual taxa de câmbio em torno de R$ 2,60 o dólar, pois seria suficiente para colocar a economia brasileira numa nova rota de crescimento muito mais acelerada do que no último quarto de século.

Mas a indústria manufatureira deveria estar eufórica e investindo pesadamente em novas fábricas voltadas para exportações. O que de fato não estamos assistindo. Ao contrário, as lideranças de 30 setores industriais se reuniram recentemente para alertar o governo de que perderam competitividade e muitos anunciaram demissões com o cancelamento de exportações. Onde está a verdade? De fato, as exportações cresceram 25,7% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. O saldo comercial poderá ser maior do que o de 2004. Vejamos quais são os fatos relevantes que explicam este desempenho. Em primeiro lugar, a economia mundial vem, neste primeiro trimestre do ano, repetindo o desempenho espetacular do ano passado (melhor nas últimas quatro décadas). Em 2004, a economia mundial cresceu mais de 5% e, com isso, as exportações mundiais cresceram duas vezes mais do que esta última taxa. Extrapolar este desempenho para o futuro é muito temerário. As exportações brasileiras foram impulsionadas pela desvalorização cambial de 2002 e elas cresceram mais de duas vezes e meia do que as exportações mundiais nos últimos dois anos. Neste desempenho, além do impulso dado pela desvalorização cambial, é preciso considerar fatos que não se repetem todos os anos: a entrada da China como grande importadora, forte valorização do euro frente ao dólar e a forte recuperação das exportações brasileiras para a Argentina.

É precipitado afirmar que o bom desempenho comercial constitui uma nova tendência, independente da taxa de câmbio

Aliás, em função do desempenho recorde da economia mundial, estamos deixando para trás o período deflacionário da década de 90, com excesso de oferta em muitos setores, para um período em que o poder de mercado das empresas aumentou consideravelmente. Nos EUA, as margens de lucros das empresas vêm aumentando significativamente, sinalizando pressões inflacionárias nos próximos anos, pressões estas contidas até agora por um forte aumento de produtividade do trabalho e por aumento bem comportado dos salários em função da queda mais lenta da taxa de desemprego nesta última expansão da economia. Neste quadro, não é de se surpreender que alguns segmentos exportadores brasileiros tenham conseguido repassar parcialmente os efeitos da valorização real para os consumidores. Em função disso, o FED já sinalizou preocupação com pressões inflacionárias e deverá elevar a taxa de juros para tornar a política monetária não-acomodativa. No front interno, é preciso lembrar que a recuperação maior das exportações decorreu da expansão de produtos básicos. Estes, que representavam 23% do total das exportações em 2000, saltaram para 30% em 2004, conforme gráfico. Dadas as nossas condições naturais favoráveis à exportação destes produtos, eles são menos sensíveis à taxa de câmbio. Na indústria de transformação, as exportações cresceram fortemente depois da desvalorização cambial de 2002 naqueles setores onde havia capacidade ociosa em função das decisões de investimentos de 1997/98 (indústria automobilística, eletroeletrônica etc) que apostaram no crescimento mas vinham amargando uma demanda muito abaixo da projetada. Da mesma forma, outros setores que exportam tinham capacidade instalada constituída em períodos anteriores e se encontravam ociosos em função da frustração do crescimento (bens de capital). Nestes setores, a taxa de câmbio também não é tão relevante, pois os investimentos já estavam, ao menos parcialmente, amortizados e, desde que o preço cubra os custos variáveis, vale a pena exportar. Outros segmentos como celulose, papel e aço também conseguem exportar com a atual taxa de câmbio. De qualquer forma, os indicadores de rentabilidade da Funcex mostram uma queda no último trimestre do ano passado de mais de 10% na rentabilidade de setores como agropecuária, celulose e papel, extrativa mineral, máquinas e tratores, minerais não-metálicos, óleos vegetais e veículos e auto-peças. Finalmente, é muito precipitado afirmar que o bom desempenho do ano passado e deste se constituem numa nova tendência, independentemente da taxa de câmbio. Precisamos tomar muito cuidado com estas análises apressadas que justificam a atual política cambial (e de taxa de juros), pois podemos estar jogando fora uma oportunidade que acontece a cada década, com condições da economia mundial tão favoráveis que permitem recolocar a economia brasileira de volta à trajetória de crescimento acelerado da qual saímos há um quarto de século.