Título: Usina do Maranhão pode ficar só no papel
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Empresas &, p. B6

Um clima de tensão paira nos meios políticos e empresariais da pacata São Luís, no Maranhão, famosa por seus casarões azulejados dos séculos XVIII e XIX. A discussão, cujo tom aumentou nos últimos meses, é motivada pela instalação de um complexo siderúrgico com capacidade para fazer até 22,5 milhões de toneladas de aço por ano - volume equivalente a dois terços da atual produção brasileira - em São Luís, ilha onde vivem cerca de um milhão de pessoas. A falta de diálogo entre os investidores - Vale do Rio Doce, a chinesa Baosteel e a européia Arcelor, com apoio do governo do Estado, e movimentos sociais, que se opõem à instalação da usina na ilha, chegou ao limite e o projeto corre sério risco de não sair do papel três anos depois da assinatura do primeiro protocolo de intenções entre Vale e Baosteel para construção da siderúrgica no Maranhão. Frente às dificuldades, o governo local e os investidores resolveram concentrar esforços na primeira das três usinas, planejada por Vale, os chineses e a Arcelor. A primeira fase foi desenhada para 4 milhões de toneladas ao ano. Poderá ir a 7,5 milhões em outra etapa. O investimento previsto inicialmente em US$ 1,5 bilhão foi revisto para US$ 2,4 bilhões após o fim dos estudos técnicos indicaram gastos adicionais de US$ 400 milhões apenas com impostos. Os chineses se recusam a pagar essa conta. Por isso, foram abertas negociações com o governo federal, lideradas pela Vale, para reduzir o peso tributário. Uma alternativa em estudo é transformar o projeto em empresa industrial exportadora, figura jurídica que ainda precisa ser criada pelo governo. Isso isentaria a empresa de impostos federais na operação e na compra de insumos e equipamentos. Amanhã, os investidores reúnem-se com o secretário de Indústria do Maranhão, Ronaldo Braga, em São Luís, para nova fase de discussões. "Montamos reuniões a cada 15 dias para tomar a lição de casa, porque o projeto entrou em uma fase em que não podemos mais adiar certas decisões", diz Braga. Os opositores à siderúrgica, liderados por advogados, ambientalistas e líderes comunitários, dizem que a siderúrgica é grande demais para São Luís e temem os impactos sociais e ambientais do projeto sobre a ilha. Há risco, segundo eles, de desabastecimento de água, poluição e elevação da temperatura no município. A Vale argumenta que o projeto prevê pleno controle ambiental, de modo a permitir a convivência "pacífica" da usina com o município. Os opositores sugerem que o projeto seja instalado no município de Bacabeira, no continente, a cerca de 50 km de São Luís, hipótese que é refutada pela Vale: "Não existe a opção de fazer em outro lugar. Se não for possível fazê-lo onde foi concebido (na ilha, em terreno próximo ao porto), não haverá projeto. Nenhum dos parceiros cogita fazê-lo em outro lugar. É uma questão definitiva", disse José Carlos Martins, diretor-executivo de novos negócios da Vale. Para a Vale e seus sócios, trata-se de uma questão de economia e logística. "Se levar o projeto para outra região, o custo subirá ainda mais", alega Martins. Na ilha, onde está o terreno a ser cedido pelo Estado, a Vale tem quase pronta a infra-estrutura para importação do carvão e exportação das placas de aço. Se for instalado em Bacabeira, teriam de investir em nova estrutura logística, incluindo pátios de armazenagem, ferrovia, vagões e equipamentos ferroviários. "Não somos contra o projeto no Maranhão, mas o que ocorre é uma ganância exagerada dos empreendedores", acusa o advogado Guilherme Zagallo. Ele lidera um dos movimentos contrários à implantação da usina em São Luís. Ele diz ter o apoio de cerca de 40 entidades da sociedade civil local. O grupo tem participado ativamente de audiências públicas feitas pela prefeitura com o objetivo de mudar a lei de zoneamento e uso do solo urbano do município. A alteração é necessária para permitir que indústrias se instalem na área hoje pertencente ao Estado e que será transferida à Vale para montar essa usina e duas outras. A área é zona rural e não permite a instalação de indústrias. As denúncias dos movimentos sociais levaram o Ministério Público Federal (MPF) no Maranhão a instaurar, em outubro de 2004, inquérito civil para acompanhar os estudos de impacto ambiental na ilha, onde existem duas reservas: o Parque Estadual do Bacanga e a Área de Proteção Ambiental do Maracanã. Sergei Medeiros Araújo, procurador-chefe do MPF, afirmou: "Se o estudo de impacto ambiental mostrar viabilidade do projeto, o inquérito será arquivado". Outro caminho passa por um termo de ajustamento de conduta, acordo que levaria ao deslocamento do projeto para outra área, hipótese rechaçada pela Vale e seus sócios. A terceira hipótese, caso não houvesse acordo, o MPF poderia entrar com uma ação civil para anular o licenciamento. Esse cenário indica que o tempo é o principal inimigo do projeto, complicado pelo quadro de disputa política no Estado. "Chinês tem paciência curta", diz Paulo Haddad, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco. Sua consultoria, a Phorum, foi contratada pela Vale para fazer a análise do impacto do complexo do aço em São Luís. "Falta uma arena para discussão com os ambientalistas e alguns fantasmas existem porque não houve diálogo", avalia. A tentativa de instalar uma grande usina de aço em São Luís é antiga: remonta à época em que o senador José Sarney (PMDB), inimigo político do atual governador maranhense, José Reinaldo Tavares (PTB), foi presidente da República, em 1985. Na presidência do país, Sarney criou Usina Siderúrgica do Maranhão (Usimar), projeto fadado ao fracasso. Passados 20 anos, a disputa política local pode acabar afugentando os sócios estrangeiros da Vale. A sul-coreana Posco, que firmou protocolo de parceira com a Vale numa segunda usina, já prioriza um projeto na Índia, afirmou Martins, da Vale. Há pouco mais de uma semana, um fato ilustrou bem a briga política travada no Estado. E isso tem contribuído para o atraso do projeto. No domingo, 27 de março, o jornal "O Estado do Maranhão", da família Sarney, publicou pesquisa em que 77,8% dos entrevistados se diziam favoráveis à siderúrgica. Em outra das perguntas, 40% dos entrevistados responderam que o governo de Tavares não está se empenhando para montar a usina. "Esse é o jogo político sujo feito pelo Grupo Mirante, que pertence ao Sarney", atacou o governador Tavares, em entrevista ao Valor. Ele lembrou que por desavenças com o grupo de Sarney a transferência do terreno por parte da União para o Estado atrasou dois anos. Disse que o Maranhão tem uma das mais condições competitivas do mundo para sediar usinas de aço. E acredita que ao deixar o cargo, no fim de 2006, o projeto da Vale mais Baosteel e Arcelor, estará aprovado e em execução.