Título: Dívidas de frigoríficos na mira do INSS
Autor: Alda do Amaral Rocha e Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Agronegócios, p. B10

Com débitos de R$ 2,882 bilhões com a Previdência Social, os frigoríficos de carne bovina são o novo alvo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) na empreitada para reduzir o déficit da área. As dívidas dos frigoríficos se referem ao recolhimento da Contribuição Para Seguridade Social, o antigo Funrural, que é descontado na comercialização da produção agrícola e, por lei, tem de ser repassado pelas agroindústrias ao INSS. No caso dos frigoríficos de carne bovina, que têm de repassar 2,3% descontados na compra do boi gordo, a regra tem sido quase exceção. O recolhimento é feito, mas o repasse nem sempre acontece. No ano passado, o setor recolheu apenas R$ 55,87 milhões aos cofres da Previdência, de acordo com a Secretaria de Receita Previdenciária. O agronegócio como um todo recolheu R$ 1,93 bilhão. Conforme cálculos da secretaria, os frigoríficos e processadores de carne bovina respondem por 28,85% do PIB do agronegócio nacional, mas contribuem com apenas 2,9% do total arrecadado pelo setor. "A arrecadação do segmento é muito baixa. Os frigoríficos recolhem 14 vezes menos que o segmento agrícola", informa Reinaldo Aguilar Peixoto, coordenador do Departamento de Fiscalização da Previdência. Estima-se que o segmento pague 10% do valor devido. Pelos cálculos de um especialista no mercado de boi, não chega nem a isso. Considerando um abate formal de 40 milhões de cabeças de gado por ano no país, a um preço médio de R$ 1 mil por animal, o recolhimento do antigo Funrural junto a pecuaristas deveria ser de cerca de R$ 920 milhões anuais. No setor rural, os produtores pagam 2,3% (pessoas físicas) e 2,85% (pessoas jurídicas) sobre o valor da produção comercializada. No setor urbano, as empresas pagam 20% sobre a folha de salários. No ano passado, o agronegócio recolheu R$ 1,93 bilhão à Previdência, valor considerado baixo pelo governo. Para efeito de comparação, as empresas enquadradas no Simples, por exemplo, recolheram R$ 3,2 bilhões. Em uma tentativa de reduzir a sonegação e a apropriação indébita da contribuição previdenciária sobre a aquisição de produtos rurais, o governo decidiu fechar o cerco sobre frigoríficos de carne bovina. A fiscalização federal acusa o segmento de ter "uma grande parte de empresas" constituídas por "sócios laranjas". Segundo o ministério, elas serviriam apenas de "fachada" para os verdadeiros donos do negócio. Os "laranjas" têm, geralmente, um patrimônio baixo e utilizam a prática de arrendamento de instalações de processamento da carne para driblar a fiscalização. "O processo dificulta a determinação dos responsáveis pelo crédito tributário, os verdadeiros sujeitos passivos da obrigação tributária", afirma Peixoto. Antenor Nogueira, do Fórum Nacional de Pecuária de Corte da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirma que "a parte do produtor está sendo feita". Segundo ele, os frigoríficos descontam a contribuição na compra do boi, mas "retêm a parte do produtor". Para ele, compete ao INSS fiscalizar o recolhimento. Os fiscais federais também detectaram empresas que se escusam de pagar contribuições previdenciárias por meio de medidas liminares, o que lhes permite deixar de recolher a contribuição aos cofres públicos e continuar com a irregularidade. "A secretaria está mobilizando seu contingente operacional para transformar todo este comportamento e apontar os verdadeiros responsáveis", afirma Peixoto. Segundo o governo, as brechas usadas pelos frigoríficos têm causado "enormes prejuízos" à Previdência Social. "Isso acarreta créditos tributários de baixa liquidez que, normalmente, não se traduzem em arrecadação". De acordo com consultores e advogados que atuam no setor, parte dos frigoríficos obtém as liminares para não recolher a contribuição, mas segue descontando o tributo do pecuarista. A argumentação dos frigoríficos para obter a liminar, segundo especialistas, é de que não cabe a eles o papel de repassador de tributos. O argumento também está num projeto de lei em análise pela Casa Civil, e que repassa a produtores e pecuaristas a obrigatoriedade deste recolhimento previdenciário. A CNA faz lobby contra a medida, que oneraria a produção com custos administrativos dos recolhimentos. Para neutralizar o projeto, a CNA advoga a manutenção da atual contribuição e a adoção de alíquotas diferenciadas por grupo de produtos agropecuários em função da participação da mão-de-obra no processo. Em resumo: alíquotas maiores para culturas de uso intensivo de empregados e menores para atividades pouco intensivas de mão-de-obra. Diante de um problema que se arrasta há anos, os frigoríficos apresentaram ao INSS uma proposta que prevê a redução da alíquota da contribuição de 2,3% para 1%. Em entrevista, no início do mês, o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos - Abrafrigo, José João Stival, argumentou que a menor alíquota seria "justa" e aumentaria a base de arrecadação do INSS. Na ocasião, ele argumentou ainda que os frigoríficos de mercado interno - caso da maioria dos associados da Abrafrigo - não são beneficiados por créditos do PIS/Cofins, por exemplo, o que ocorre com os exportadores. Procurado, ontem, novamente, Stival não retornou as ligações. A Abiec - reúne os frigoríficos exportadores - não se pronunciou sobre os números da Previdência. Uma fonte do setor admite, no entanto, que os frigoríficos querem "equalizar o problema", motivo de desconforto entre as empresas. O desconforto se justifica, diz uma analista, afinal nenhum frigorífico que ser alvo de acusações como as que atingiram o Margen, no fim de 2004, e levou à prisão de seus diretores. Segundo a Polícia Federal, a empresa deve R$ 65 milhões ao INSS e mais R$ 60 milhões à Receita Federal. Os diretores, que foram liberados um mês depois, foram acusados ainda de falsidade ideológica, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.