Título: Alta de juros para conter choques de preços causa inflação, afirma estudo
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2005, Finanças, p. C2

Uma alta nas taxas de juros para combater choques inflacionários causa aumento no custo de produção das empresas e nos seus preços. O impacto é grande o suficiente para ter consideráveis implicações na política monetária e coloca a necessidade de maior gradualismo na resposta aos choques. Essa é a principal conclusão de estudo de dois economistas do Banco da Itália, Eugenio Gaiotti e Alessandro Secchi, intitulado "Há um canal de custos de transmissão da política monetária? Uma investigação no comportamento de preços de 2.000 firmas". Eles estudaram os preços e os juros pagos por cada uma das empresas por 14 anos. "Nós encontramos robustas evidências a favor da existência de um canal de transmissão da política monetária para os custos, proporcional à quantidade de capital de giro utilizado por cada firma", afirma o estudo. "O canal é grande o suficiente para ter implicações não-triviais na política monetária", dizem. A existência de informação específica e detalhada sobre as empresas italianas ajudou os especialistas a fazer importantes avanços com relação à literatura existente até hoje sobre o tema, notou o deputado Delfim Netto em sua coluna no Valor. Na teoria neo-keynesiana clássica, há o "canal de demanda" da política monetária. A alta de juros, segundo essa teoria, afeta as decisões de gastos das famílias e empresas, reduzindo a demanda agregada e segurando os preços. Mas os economistas começaram a se questionar qual a razão para uma alta inicial de preços no curto prazo em resposta a altas de juros em vários países, o chamado "paradoxo dos preços". O congressista americano Wright Patman chegou a dizer, em 70, que elevar juros para conter a inflação é como "jogar gasolina no fogo". O chamado "canal de custos" tem recebido crescente atenção entre os neoclássicos e também entre os neo-keynesianos. O que tem se estudado é o efeito da alta de juros no custo de produção das empresas e em seus preços, seu impacto direto na inflação e na oferta agregada. O "canal de custos", segundo economistas, é baseado no papel ativo do capital de giro líquido (estoques mais recebíveis menos o que a empresa tem a pagar) no processo de produção e na oferta agregada. A idéia é que uma alta de juros e o encarecimento do crédito alteram a habilidade de curto prazo das empresas a investir em capital de giro e reduz sua produção, reduzindo a oferta agregada. A contribuição dos italianos do Banco da Itália para o debate é que eles foram buscar comprovação prática da existência desse "canal de custos". Observando a variação nos preços de produção de cada uma das 2.000 empresas especificamente e também a variação nos seus gastos com juros para os mais diferentes tipos de dívidas e estoques, os economistas foram capazes de separar o impacto direto da alta dos juros nos custos e preços das empresas do chamado "canal de demanda" e comprovar a existência do "canal de custos". Eles foram buscar informações no SIM (Pesquisa sobre Investimento na Manufatura), no Serviço de Informações sobre Balanço de Empresas (CADS) e na Central de Risco de Crédito da Itália (CR). Na média, as empresas do setor manufatureiro de diversas áreas analisadas mantêm como valor de seu capital de giro a ser financiado quatro meses de seus custos operacionais, avaliaram eles. Como consequência, uma alta de 1% nas taxas de juros anualizadas pode induzir um aumento de preços de 10 a 30 pontos básicos, concluíram. Vários estudos de outros economistas já vinham discutindo os impactos desse "canal de custos" sobre a política monetária e sobre a política de metas de inflação, como a adotada pelo Banco Central do Brasil. Alguns chegaram a propor novas equações para o cálculo da inflação a ser buscada em uma política monetária tida como "ótima". Indagados pelo Valor sobre a política de metas de inflação praticada pelo Banco Central brasileiro, Gaiotti e Secchi declararam que o Banco da Itália como regra institucional não comenta políticas adotadas por outros países. Gaiotti disse ainda ter pouco conhecimento sobre o caso brasileiro, mas enviou por e-mail um "esclarecimento". Segundo ele, "as implicações de nossos resultados não são imediatas para países ainda engajados em processos desinflacionários." As conclusões sobre a necessidade de "gradualismo" -a necessidade de amortecer o custo de mais altas taxas de juros por um longo período ao invés de concentrá-lo em um período único- se aplica em situações de equilíbrio, segundo ele. Ou seja, é relevante para um banco central operando em situação de inflação estável e baixa como resposta a um choque temporário. "Nossos conclusões não se aplicam necessariamente a um Banco Central ainda engajado no processo desinflacionário, que tem como principal objetivo controlar as expectativas de inflação de longo prazo", disse. Nesse caso, segundo Gaiotti, o efeito dos juros nas expectativas de inflação poderia ser muito maior do que o efeito via custos das empresas. "Se for muito gradual hoje, você pode arriscar a ter mais restrições depois." Ele lembrou apêndice de seu trabalho (pág. 38): "sob uma política completamente discricionária, o Banco Central tem de subir os juros rapidamente para contrabalançar os efeitos dos choques de custos nos preços, pois ele não pode tirar vantagem do efeito de seu futuro comportamento nas expectativas de inflação". Esse foi o caso nos EUA e na Itália nos anos 80, disse.