Título: Brasil e Nigéria adiam acerto para dívida do país africano
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2005, Brasil, p. A3

A solução para a dívida da Nigéria com o Brasil, uma das medidas necessárias para reduzir obstáculos das exportações brasileiras àquele país, será objeto de uma missão nigeriana de alto nível a ser enviada a Brasília, afirmou o presidente do país, Olusegun Obasanjo. Ele recusou, porém, a proposta brasileira de incluir um compromisso em relação ao tema na declaração conjunta assinada ontem, ao fim da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país. "Existe essa situação que ambos herdamos, sobre um acordo se há ou não dívida", comentou o presidente Obasanjo, ao anunciar que enviará o negociador da dívida nigeriana ao Brasil e que estabeleceu um grupo de consultores para discutir um acordo. "É algo que temos de construir, podemos construir, não na base do Brasil acusando a Nigéria ou da Nigéria acusando o Brasil." O governo brasileiro estuda trocar a dívida nigeriana, de US$ 160 milhões (mais de US$ 120 milhões em juros acumulados) por programas do governo nigeriano em educação e bolsas de estudo para nigerianos no Brasil. O tema terá de ser levado ao Legislativo local, que decidiu rejeitar dívidas passadas. Na escala seguinte da viagem de Lula, em Acra, capital de Gana (o quarto maior parceiro comercial do Brasil no continente), a comitiva do presidente comemorou o interesse de empresários locais pela reduzida comitiva de empresários brasileiros. "Na roda de negócios que promovemos, havia 25 empresários ganenses para cada brasileiro", comentou o chefe do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Mário Vilalva. Em um encontro entre autoridades de Gana e a comitiva brasileira, acompanhado pela imprensa, os ganenses afirmaram ter forte interesse na tecnologia do Brasil, com a Embrapa, em produtos tropicais, como cacau, cana-de-açúcar, caju e refino de sal. Empresas como a Engeprom, de material bélico da Marinha, esperam explorar em Gana nichos de mercado. Lula e o presidente de Gana firmaram um acordo para coordenarem posições nas negociações internacionais. Como resultado da visita de Lula, os dois países firmaram também um acordo de aviação comercial, que permitirá às empresas ganenses MK Airlines e a Ghana Airlines estabelecerem três vôos regulares entre o país e o Brasil, inaugurando a ligação direta, por ar, entre o Brasil e a chamada África Ocidental, rica em petróleo, de onde partiram os navios negreiros no início da história brasileira. "Isso é fundamental, sem esse tipo de ligação é difícil estimular os negócios", comentou o assessor internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia. Embora a visita de Lula - que prossegue hoje na Guiné Bissau, e termina amanhã, no Senegal - tenha sido anunciada desde o início como de caráter político e cultural, o governo tinha a expectativa de avançar na relação comercial com a Nigéria, que exporta ao Brasil 52% do petróleo consumido pelo país e é o maior importador africano de produtos brasileiros, com compras de US$ 505 milhões. As empresas brasileiras se ressentem, porém, da necessidade de garantias contra possível inadimplência e da dificuldade para obter financiamento e concorrer em pé de igualdade com franceses e norte-americanos. A existência da dívida, relativa em grande parte a obras de empresas do Brasil que foram abandonadas nos anos 80 com a instabilidade política no país, impede que instituições oficiais brasileiras dêem essa garantia. Os brasileiros queriam uma referência à dívida na declaração conjunta dos presidentes, apontando o tema como uma "pedra no sapato" das relações entre os dois países. "Os termos da declaração não foram discutidos previamente e preferi excluir o tema da declaração para evitar a interpretação de que a dívida teria um tratamento político", argumentou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ao Valor. Ele se disse satisfeito com o anúncio de Obasanjo sobre o envio de um emissário ao Brasil e o interesse em um acordo. Entre diplomatas, causou constrangimento a pressão feita pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, para transformar a reunião inaugural do encontro dos presidentes em discussão sobre as barreiras aos produtos brasileiros. Furlan se surpreendeu, em Abuja, capital nigeriana, ao descobrir que havia barreiras comerciais a muitos dos produtos que havia escolhido como alvo de ofensiva comercial para diminuir o déficit do Brasil com aquele país, hoje em US$ 3,5 bilhões. Entre assessores mais próximos do presidente, porém, o incidente foi considerado apenas mais uma demonstração do estilo de Furlan. "O Brasil pode exportar serviços, ciência e tecnologia, atuar com sua indústria de implementos agrícolas, ter participação ativa na Nigéria", discursou o presidente Lula, pouco antes da cerimônia de assinatura do único ato firmado com a Nigéria, um acordo de cooperação técnica em matéria de agricultura. Ao contrário do que o governo esperava, os dois países não conseguiram terminar a tempo as negociações para um acordo de transferência de tecnologia à Nigéria na área de para medicamentos contra a aids. Em junho, a comissão mista Brasil-Nigéria se reunirá em Brasília, para discutir o comércio bilateral. "A política e o comércio são vias de duas mãos", disse Lula. "É preciso haver equilíbrio nessa relação e ela pode crescer muito mais", comentou. "Essa política do Brasil na África é uma política sem volta."