Título: Os líderes moderados do PT jogam a cartada final
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2005, Opinião, p. A12

O sistema partidário brasileiro tem uma transparência histórica. Os partidos tradicionais são expressões de alianças regionais que, unidas sob um único abrigo nacional, lá se mantém enquanto isso for de sua conveniência. A política institucional, nessa situação, traduz os jogos de interesses dos grupos em aliança dentro de um partido, ou de um partido, como depositário dessa aliança, em relação ao poder central. Talvez por conta dessa simplicidade histórica seja difícil entender o que acontece com o PT. Os líderes de que dispõe não são donos de parcela de poder locais que emprestaram sua condição ao partido. Na verdade, suas lideranças e seu poder se consolidaram dentro da legenda. O poder dos ministros, deputados, senadores, prefeitos, secretários e até mesmo do presidente da República foi conferido a eles por uma militância na própria máquina partidária. Do poder que dispõem dentro dela depende sua posição de poder na sociedade. Por essa razão são tão importantes os movimentos feitos pelo chamado Campo Majoritário, logo após a derrota sofrida pelo partido na disputa pela Presidência da Câmara. No último fim de semana, o grupo, que representa sozinho 60% da direção partidária e ao qual pertencem não apenas o presidente da República, mas a maioria dos ministros, definiu a cartada final contra os grupos da esquerda. Seus integrantes não estarão apenas disputando um número maior de cargos no Diretório Nacional nas eleições diretas de setembro. O Campo Majoritário estará inscrevendo, junto com a chapa liderada por José Genoíno, candidato a mais um mandato de presidente, uma tese, intitulada "Bases de um Projeto para o Brasil". Seria a incorporação, oficial, ao programa do partido, da "Carta ao Povo Brasileiro" aprovada pelo Diretório Nacional no calor da campanha eleitoral de 2002, que a esquerda do PT não reconhece até hoje como uma posição oficial da legenda. "Carta ao Povo Brasileiro" foi um documento eleitoral. Pressionado por um ataque ao real justificado pelos temores do mercado financeiro de um possível calote da dívida em caso de vitória do candidato petista, o partido reuniu o diretório, no dia 22 de junho daquele ano. A carta foi lida por Lula e aprovada por aclamação. Trazia o compromisso do candidato e de seu partido de honrar os contratos e com o equilíbrio fiscal. Quando foi divulgada, nem os mercados, nem a própria esquerda do partido, acreditaram na veracidade do que foi dito. O mercado apenas assimilou o novo discurso, efetivamente, quando a vitória de Lula era um fato consumado. A esquerda petista, jamais. Para o Campo Majoritário, foi mais fácil ganhar posições dentro do partido e isolar dissidentes do que mudar o programa. Isso envolve um processo de discussão interno longo e delicado. E é justamente a "Carta" o seu ponto de fragilidade. Sua legitimidade foi colocada em questão pelos grupos de esquerda que articulam uma aliança para disputar o poder partidário, em setembro. Esses grupos reivindicam, como última peça programática legítima, o documento "Concepção e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil 2002" - um trabalho de articulação interno feito pelo ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, que ainda fala de ruptura. Ir para as eleições de 2006 ainda estampando como decisão oficial o "Concepção e Diretrizes" ou expor-se, internamente, a uma oficialização de parte desse documento como programa do partido, seria simplesmente desautorizar um governo que, no final das contas, acabou cumprindo o que estava escrito na "Carta". O Campo Majoritário, ao jogar a cartada de sujeitar a maioria a um programa, livra Lula desse incômodo, na disputa pela reeleição. E praticamente neutraliza as pressões das esquerdas partidárias para obrigar o governo a uma mudança de rota. Essa ação é uma legitimação do governo Lula e, em especial, da política econômica do ministro Antonio Palocci; mas é, sobretudo, um convite para a minoria partidária rumar para a porta da rua. A direção petista dá sinais de que vai impor a unidade partidária, em torno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por decreto. Abre espaço para a formação de um partido de esquerda mais forte, criado pelas dissidências que advirão dessa decisão. Mas, de qualquer forma, acena para o mercado de forma cabal, mais uma vez, que o compromisso do PT e do governo Lula com o cumprimento dos contratos e com a estabilidade fiscal não foi apenas conjuntural. Tornou-se programático.