Título: Corrupção e instituições de direito e economia
Autor: Jairo Saddi
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2005, Opinião, p. A12

O tema da corrupção freqüenta o noticiário brasileiro desde o século passado e pode ser considerado um problema social dos mais graves dos tempos modernos. Apesar de muitos economistas como Myrdal (1968) e Knack (1995) terem se debruçado sobre o assunto, são poucos ainda os que compreendem a extensão de suas causas e conseqüências. Depois de algumas acusações sobre corrupção no BNDES, pronunciadas, segundo os críticos, pela incontinência verbal do presidente da República, achei que valeria a pena discorrer sobre o tema da corrupção sob o enfoque de Law & Economics, corrente de direito que trata da análise econômica das instituições jurídicas. Sem o intuito de propor soluções revolucionárias ou milagrosas, o artigo pretende ao menos demonstrar que há diversos tipos de corrupção, todos com causas diversas, e que eles só existem (e sobrevivem) em decorrência de não termos instituições fortes o bastante. Provavelmente, a melhor definição de corrupção é aquela que relaciona o mau uso da distribuição do poder público (e de recursos do poder público) com ganho exclusivamente privado. Rose-Ackerman, eminente professora da Universidade de Yale, publicou um ensaio em que classifica a corrupção no Estado moderno em cinco grandes tipos: o primeiro deles consiste no pagamento de incentivos financeiros a burocratas para que tomem ou deixem de tomar certas decisões públicas, como corromper um fiscal fazendário a fim de evitar uma multa tributária ou corromper um delegado de polícia para que altere o boletim de ocorrência - neste caso está se dando um "bônus de incentivo", ou seja, um estímulo monetário para que a autoridade pública aja (ou, ao contrário, não aja) de acordo com a lei. Há um segundo tipo de corrupção, aquele em que se alocam certos benefícios escassos a um indivíduo ou a uma firma, que pode ser exemplificado pela obtenção de serviços públicos sem a cobrança de seu custo correspondente (asfaltar uma rodovia nas proximidades da fazenda de um interessado é um modo de obter uma melhoria sem arcar com seu custo). No terceiro tipo, a corrupção também funciona como meio de obter contratos ou concessões públicas sem a devida lisura ou licitude por parte do poder concedente; por exemplo, em muitos países, o processo de privatização se deu em meio a numerosas acusações de corrupção e de favorecimento. O objetivo deste tipo de corrupção é simplesmente obter, sem a transparência necessária, a autorização para a realização de uma obra ou uma concessão pública. Ao pagar comissões para obter contratos públicos, a corrupção encarece o processo e aumenta os custos finais. A corrupção pode ser utilizada como pagamento pela redução de certos custos; por exemplo, no contrabando, ao reduzir as tarifas de impostos de importação num departamento alfandegário, ela é vantajosa tanto para o corruptor (que paga menos) como para o corrompido (de toda forma, os impostos não iriam para o seu bolso). Finalmente, o quinto tipo: a corrupção pode ser oriunda do crime organizado e da complacência do Estado para com tais atividades criminosas; neste sentido, o criminoso "compra" a legalização da atividade que está praticando.

O "rouba mas faz" ocupa nosso folclore político, sem que se perceba o quanto isto é nefasto para o país

Todos os tipos de corrupção são nefastos - não existe um tipo que seja pior ou melhor do ponto de vista moral. No entanto, os que mais atrasam qualquer país em seu desenvolvimento são os últimos três - a corrupção para obter contratos ou concessões, a corrupção para reduzir custos e a corrupção em que se atua como fiador de atividades criminosas. Ao servir de azeite nas relações entre crime e lei, ao privilegiar grupos com interesses específicos ou ao deformar o sistema de preços competitivos, a corrupção causa um mal maior: atrasa o desenvolvimento, protege a violência urbana, torna o cidadão comum refém de um sistema injusto e desigual. Enfim, são inúmeros os argumentos capazes de demonstrar cabalmente que o combate à corrupção é a única maneira de evitar que ela emperre o sistema de eficiência econômica. É evidente que a mera existência de escândalos sobre corrupção denota uma preocupação maior da sociedade para com o tema e provavelmente maior maturidade dos agentes sociais para não acobertar culpados, nem aceitar o mau uso de fundos públicos. Igualmente meritória, a crescente participação da sociedade reflete um envolvimento político desejável e mais efetivo. Porém, o debate no Brasil tem sido personalíssimo, com casos pontuais e, não raro, uma vez passado o clamor público, o assunto cai no esquecimento. Sabemos que a corrupção está enraizada e inegavelmente existem influências tanto da história como da cultura. Na nossa tradição política, o "rouba mas faz" ainda ocupa uma parcela lamentável do folclore político sem que se perceba quão nefasta a corrupção é para o desenvolvimento. Muitas foram as tentativas de solucionar o problema da corrupção. Atualmente, por si só, a lei penal não inibe tais práticas. A lei serve apenas como um indutor de condutas humanas e pode, em certos casos mais ruidosos, constituir um exemplo a ser seguido. Mas é certo que não se pode esperar mais dela do que isto. A resposta mais acertada está nas instituições e é nelas em que toda a diferença reside.