Título: A ascensão da China
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2005, Opinião, p. A13

Por quanto tempo poderá continuar o crescimento acelerado da China? Trata-se de uma questão óbvia, banal, até. Formulá-la, porém, sugere que há algo extraordinário a respeito do crescimento do colosso asiático ao longo das duas décadas e meia recentes. A única forma na qual a China é excepcional, no entanto, está na sua escala. Sob outros aspectos, ela está meramente em um estágio inicial na rota de convergência acelerada já trilhada anteriormente pelo Japão, Taiwan e a Coréia do Sul. Segundo dados do historiador econômico Angus Maddison (atualizados até 2004), o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da China à paridade do poder de compra (PPP) cresceu em 370% entre 1978 e 2004, a uma taxa de longo prazo de 6,1% ao ano. Entre 1950 e 1973, porém, o PIB per capita do Japão aumentou em 460%, a uma taxa de longo prazo de 8,2%. Entre 1962 e 1990, o PIB per capita da Coréia do Sul cresceu em 680%, a uma taxa de longo prazo de 7,6%, ao passo que o de Taiwan cresceu em 600%, entre 1958 e 1987, a uma taxa de longo prazo de 7,1%. O crescimento da China, portanto, tem sido bem distante do espetacular, pelos parâmetros dos seus vizinhos asiáticos menores. Há motivos para se acreditar, contudo, que a China deveria ter sido capaz de superar o desempenho de todos eles. Primeiramente, a velocidade na qual um país pode crescer é uma função do nível do seu atraso em relação aos níveis de produtividade das economias mais avançadas do mundo. Isso explica porque cada geração de economias que buscam emparelhar-se apresentou tendência de crescimento mais acelerada que a anterior. Quando o surto de crescimento da China começou, seu PIB per capita à PPP era de apenas 5% do PIB per capita dos EUA. Mesmo agora, após um quarto de século de rápido crescimento, a produção per capita da China é de cerca de um sexto da produção per capita dos EUA. O PIB per capita do Japão foi de um quinto do PIB dos EUA na década de 1950, mesmo antes do começo do seu inigualável surto de crescimento. Em segundo lugar, a China possui todos os ingredientes de crescimento acelerado, como tiveram, antes dela, Japão, Coréia do Sul e Taiwan: uma força de trabalho diligente e inicialmente barata, a capacidade de transferir um grande número de trabalhadores da agricultura de baixa produtividade para o setor fabril de produtividade mais elevada, um ambiente externo em acomodação, estabilidade política e um governo voltado para o desenvolvimento. Em terceiro, a China aparentemente possui uma taxa extraordinariamente alta de investimento fixo bruto, de mais de 40% do PIB. O que torna a alta taxa de investimento tão extraordinária é que ela está ocorrendo em um nível tão baixo de PIB per capita. O PIB per capita da China (à PPP) hoje é o mesmo da Coréia do Sul em 1982, o de Taiwan em 1976 e do Japão em 1961. Naqueles anos, as taxas de investimento brutas fixas da Coréia do Sul e de Taiwan estavam abaixo de 30% do PIB, enquanto a do Japão era de 32%. Considerando-se as oportunidades que desfrutou e seus esforços de investimento, a China deveria ter crescido ainda mais rápido. Sua incapacidade de fazê-lo é explicada pela ineficácia do investimento.

Ineficácia do investimento impediu o crescimento mais rápido do colosso asiático, que está apenas no meio do caminho do desenvolvimento

Uma simples medida da eficácia do investimento é o "índice de geração de capital adicional" (Icor) - o índice de investimento em relação à produção adicional. Quanto menor o Icor, maior será o impacto para o dólar de investimento. O Icor da China agora já aumentou para uma média móvel de cinco anos de cinco. Em seu período de crescimento acelerado na década de 1960, o Icor do Japão ficou perto de três. Na década de 1960 e de 1970, os Icors da Coréia do Sul e de Taiwan ficaram entre dois e três. Várias peças de evidência adicionais apóiam a idéia de que o padrão de crescimento da China tem sido ineficaz. Uma delas é o nível elevado de empréstimos irrecuperáveis no sistema bancário. Se uma economia, crescendo a um ritmo de quase 10% ao ano, gera empréstimos irrecuperáveis dessa magnitude, a má distribuição de capital deve ter sido imensa. A principal explicação para o alto nível de perdas tem sido a enxurrada de crédito lançado nas vorazes entranhas das empresas estatais. Entre 1993 e 2000, mais de 60% de todo o crédito concedido às empresas foi para as empresas estatais. De acordo com dois economistas do FMI, a parcela do investimento privado no investimento total foi de apenas 15% a 27% entre 1991 e 1997, em grande parte porque as empresas privadas tiveram pouco acesso a empréstimos bancários. Os postos de trabalho gerados pelo setor privado, porém, responderam por 56% do total (Christopher Duenwald e Jahanguir Aziz, "The Growth-Financial Development Nexus, in China: Competing in the Global Economy", IMF). Ainda mais notável, o investimento direto estrangeiro (IDE) que fluiu para dentro do país foi de apenas 4% do PIB na primeira metade da década de 1990 e 5% na segunda. De acordo com dois outros economistas do FMI, o IDE gerou quase todos os ganhos de eficiência (Wanda Tseng e Harm Zebregs, "Foreign Direct Investment in China: some Lessons for Other Countries", IMF). A parcela das empresas estrangeiras nas exportações brutas também está próxima de 50%. Sua participação na produção bruta da indústria cresceu de nada no começo dos anos 1980 para 12% em 1995 e 29% em 2002. Os contrários à posição de que a China poderia ter crescido em ritmo ainda mais acelerado poderão argumentar que um país com a sua dimensão precisava de maiores investimentos em infra-estrutura que seus vizinhos de menor porte. Esse investimento elevado, porém, provavelmente renderá frutos nos próximos anos. Algumas pessoas também argumentam que o PIB da China está subestimado e que sua taxa de investimento está exagerada. Se a taxa de investimento realmente estiver abaixo do oficialmente estimado, porém, ela poderá crescer ainda mais nos anos futuros. Além disso, às taxas atuais de expansão econômica, seria preciso transcorrer mais de um quarto de século para a China alcançar o nível atual de PIB per capita do Japão. Seriam necessárias mais de três décadas para a China alcançar o mesmo PIB per capita, em relação aos EUA, que a Coréia do Sul tem atualmente. O potencial de emparelhamento continua imenso. Não podemos pressupor que o crescimento acelerado da China seja um extraordinário episódio passageiro. Ele não é extraordinário e tampouco é passageiro. Os obstáculos sociais e políticos ao crescimento acelerado e sustentado são grandes. A oportunidade para emparelhamento permanece enorme. É bem possível que a era de crescimento acelerado com vistas ao nivelamento esteja chegando à metade, não ao fim.