Título: Estiagem gera crise na economia gaúcha
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2005, Especial, p. A14

Os prejuízos provocados pela estiagem que castigou o Rio Grande do Sul no fim de 2004 e durante os primeiros meses deste ano não se limitaram à agricultura e à pecuária e começam a se espalhar por outros setores da economia gaúcha. Como conseqüência da perda de renda no campo, o comércio e a indústria registram retração nas vendas, especialmente em regiões e segmentos mais ligados à produção primária, e a própria arrecadação de ICMS do Estado começa a recuar. No varejo, a constatação é que os consumidores gaúchos estão colocando o pé no freio, seja pela perda de poder aquisitivo, seja pelo "efeito psicológico" provocado pelo impacto da seca sobre a economia, afirma Gilson Grazziotin, vice-presidente do grupo Grazziotin, de Passo Fundo. De acordo com ele, as vendas da rede de mais de 180 lojas - 150 no Rio Grande do Sul - vêm registrando quedas de 10% a 30% nos últimos meses no Estado, ao mesmo tempo em que os clientes começam a dar preferência a produtos de menor valor. A situação é mais grave nas cidades do interior, que têm economia fortemente ligada ao setor primário e concentram a maior parte das lojas da Grazziotin. A rede opera nos segmentos de vestuário, bazar e materiais de decoração, reforma e construção. Por conta da retração nas vendas, teve que reforçar as liquidações promovidas em fevereiro e março. Os descontos, segundo o vice-presidente do grupo, variaram de 10% a 50%, "um pouco mais" do que o normal. Na esteira das perdas disseminadas por toda a economia, a arrecadação do governo do Estado também cai. No acumulado até março, a receita de ICMS no Rio Grande do Sul diminuiu R$ 50 milhões em relação ao mesmo período de 2004, para R$ 2,439 bilhões. Como comparação, o ICMS paulista cresceu 5,3% no mesmo período. O diretor-adjunto do departamento da receita pública da Secretaria da Fazenda gaúcha, Júlio César Grazziotin, prevê que pelo menos R$ 300 milhões deixem de entrar nos cofres estaduais neste ano por conta da estiagem. Foto: Silvio Ávila/Valor

Gilson Grazziotin, vice-presidente do grupo Grazziotin: queda de 10% a 30% nas vendas dos últimos meses no RS

O valor, segundo Grazziotin, corresponde a quase 3% da arrecadação total de ICMS estimada pela Fazenda para 2005. Como grande parte da produção de soja do Estado é exportada e, portanto, desonerada, as perdas devem ocorrer pelos efeitos indiretos da quebra das lavouras em toda a cadeia do agronegócio e também pelo impacto no poder de consumo da população vinculada ao setor. O setor industrial também já está sentindo o impacto da seca. Segundo a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), o Índice de Desempenho Industrial (IDI) recuou para 2,8% no acumulado de janeiro e fevereiro deste ano em comparação com o mesmo período de 2004, quando o resultado havia sido de 4,1%. No bimestre, o pior desempenho setorial foi registrado pela indústria mecânica, que recuou quase 5%. O setor inclui o segmento de máquinas e implementos agrícolas - um dos mais suscetíveis aos efeitos da estiagem sobre a renda dos produtores rurais - que teve retração de 11,07%. O resultado global do IDI em fevereiro deslocou para baixo a curva ascendente das séries acumuladas de 12 meses. A alta iniciou-se em fevereiro de 2004, quando o IDI estava em 2,18%, chegou a 9,02% em janeiro deste ano e caiu para 8,58% no mês seguinte. Ao mesmo tempo, o grau médio de utilização da capacidade instalada pela indústria gaúcha - 83,3%, em fevereiro de 2004 - caiu para 80,6% no mesmo mês deste ano. As vendas da indústria ficaram com o pior resultado. Segundo Igor Morais, economista da Fiergs, houve queda de 6,11% no acumulado do primeiro bimestre na comparação com igual intervalo de 2004 e mostra tendência de desaceleração da economia. O resultado foi o segundo pior do país, que registrou média positiva de 2,5% nos dois meses. A estiagem, a valorização do real ante o dólar e as restrições impostas pelo governo estadual para o aproveitamento de créditos de ICMS sobre as vendas ao exterior também contribuíram para a queda de 6,7% nas exportações gaúchas em março na comparação com o mesmo mês do ano passado, para US$ 788 milhões. No acumulado do ano, o desempenho ainda é positivo em 9,4%, para US$ 2,27 bilhões, mas bem abaixo da média nacional - 25,7% de crescimento. Segundo Morais, a maior parte da retração é explicada pelos menores volumes de soja disponíveis para embarque e pela queda nas cotações internacionais. Só a quebra direta das lavouras de soja, milho e arroz, que conforme estimativa da Emater-RS deve reduzir de 18,5 milhões para cerca de 10 milhões de toneladas a produção total dessas culturas, terá impacto negativo de 2% do PIB total gaúcho, ou R$ 2,9 bilhões, prevê a Fiergs. Isso levando-se em conta apenas a perda de valor adicionado nas três lavouras (preço de venda menos custo de produção), No setor agropecuário, que representa 18% do produto estadual, o prejuízo equivaleria a 10,8%. A Fundação de Economia e Estatística (FEE) do governo do Estado, que faz o cálculo do PIB gaúcho, ainda não arrisca projeção mais precisa sobre as conseqüências da seca. O economista Martinho Lazzari, do núcleo de estudos agrários da instituição, acredita que o desempenho do setor primário no ano será pior do que em 2004, quando, sob efeito de estiagem não tão severa quanto a última, recuou 1,3% e segurou o crescimento da economia gaúcha em 3,6%, apesar da expansão de 6,6% na atividade industrial e de 2,7% nos serviços (incluindo o comércio). Conforme a Emater-RS, a perda na produção gaúcha de soja poderá superar 65%, reduzindo a safra 2004/05 da estimativa inicial de 8,29 milhões de toneladas possivelmente para menos de 2,89 milhões. No informe conjuntural da semana passada, a entidade considera "provável" uma produtividade média inferior a 700 quilos por hectare no Estado, a pior desde 1970. No milho, a perda deve atingir 55%, e no arroz a previsão de perda é menor, na faixa de 12,5%. Para a Fiergs, as quebras estimadas nas três culturas deverão gerar prejuízo de R$ 4,3 bilhões para o Estado, considerando-se o preço total da produção e não apenas o valor adicionado que entra na elaboração do cálculo do PIB, explica Morais. Outras projeções, porém, vão bem além deste número, como a elaborada pelo diretor da corretora Brasoja e vice-presidente da Federação das Associações Empresariais do Estado (Federasul), Antônio Sartori. De acordo com ele, levando-se em conta também o valor que seria agregado após a colheita à produção perdida, o prejuízo total pode chegar a R$ 20 bilhões. "Cada R$ 1 produzido na agricultura gera mais R$ 3 na cadeia do agronegócio", afirma. Em Santo Ângelo, município de 79 mil habitantes na região noroeste do Estado, a mais atingida pela estiagem, a quebra das lavouras de soja e milho provocará um "reflexo geral" sobre todos os setores da economia, constata o secretário da Indústria e Comércio da prefeitura, João Baptista da Silva. Com 118 mil habitantes, Bagé, no sul do Estado, sofreu menos do que os municípios da metade norte, porque a região também produz arroz irrigado e uvas viníferas, que se desenvolvem melhor com baixa umidade. Ainda assim, a estiagem deverá deixar seqüelas na economia local pelo menos durante os próximos dois a três anos, calcula o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento Econômico, Bayard Paschoa Pereira. "O comércio local já está sentindo a perda de renda da população", afirma ele.