Título: Para empresários, falta estratégia ao Itamaraty
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2004, Brasil, p. A-3

Agricultura e indústria se uniram ontem nas críticas ao governo por conta do impasse nas negociações bilaterais. A agricultura concentrou os ataques nas negociações com a União Européia, que absorve 35% da exportação agrícola brasileira. Já a indústria focou as críticas na paralisação do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). O continente, com destaque para os EUA, responde por 70% dos embarques brasileiros de manufaturados. "A Argentina é hoje quem mais resiste e está nos atrapalhando", afirmou Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), que é financiado por entidades do agronegócio. Ele se refere ao protecionismo argentino nos setores automotivo e têxtil, que resultou em uma proposta conservadora do Mercosul para a UE nessas áreas. Para o especialista, o Mercosul precisa solucionar suas diferenças internas e completar a zona de livre comércio, ou corre o risco de se tornar irrelevante. Ele não defende que o Brasil negocie sozinho, mas afirma que é preciso mudar a metodologia. Jank não concorda com a regra que diz que vale a proposta mais conservadora dos quatro países do Mercosul em cada setor. Pedro de Camargo Neto, diretor da área internacional da Sociedade Rural Brasileira, avalia que o bloqueio das negociações regionais acontece por conta da falta de prioridade política. "Um assento no conselho de segurança da ONU é uma prioridade maior para o governo atual do que o comércio", defende. A indústria também reconheceu que as desavenças no Mercosul prejudicaram as negociações com a UE. "As tensões internas do bloco se refletem na elaboração da proposta", afirmou Sandra Rios, consultora da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela explica que as divergências dentro do bloco já diminuíram bastante. Em 2001, Brasil e Argentina apresentavam propostas diferentes para 46% das linhas tarifárias. Em 2004, esse percentual caiu para 15%. Mesmo assim, ele inclui setores muito importantes no comércio com a UE, como carros e bens de capital. Respondendo indiretamente às críticas do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a respeito da falta de envolvimento de alguns setores na negociação, Sandra afirmou que "a falta de clareza sobre a política industrial dificulta na hora das ofertas". A especialista defende que, com a proteção dos serviços, investimentos e compras governamentais, "o custo do acordo recai todo sobre a indústria". Mas a maioria dos representantes da indústria concentrou as críticas na paralisação da Alca. "Por que o governo tem dois pesos e duas medidas quando se trata de Alca e UE?", questionou Christian Lohbauer, gerente de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele defendeu que o governo Lula vê a Alca com um viés ideológico, que chega quase à crença que se trata de uma anexação do Brasil aos Estados Unidos. "Não consigo ver uma estratégia de negociação", critica. Na avaliação de Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a indústria brasileira está correndo o risco de "perder o passo na atração de investimentos". Segundo ele, há empresas brasileiras se instalando em outras países da América do Sul para evitar o risco da não-Alca. Levantamento realizado pelo Iedi demonstra que 3/4 dos empresários filiados ao instituto acreditam que a Alca favorecerá o país. Mas 80% dizem que o Brasil não é competitivo, por conta da estrutura tributária e do custo de financiamento.(RL)