Título: Amorim e indústria expõem divergências sobre negociações
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2004, Brasil, p. A-3

Com a paralisação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e com as discussões entre Mercosul e União Européia próximas do impasse, governo e setor privado expuseram ontem, de forma bastante clara, e em público, suas divergências sobre a condução das negociações bilaterais. Entidades empresariais disseram que o Brasil tem uma postura "ideológica" em relação à Alca, criticaram a falta de vontade política de fechar um acordo com a UE, e responsabilizaram a Argentina pelo impasse, colocando em dúvida a capacidade do Mercosul de negociar em bloco. O governo culpou os europeus pelas dificuldades na negociação, cobrou do setor empresarial mais envolvimento e respondeu que não há nada de "ideológico" em manter os mecanismos necessários para uma política industrial. Todo esse embate aconteceu durante seminário organizado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham-SP), ontem em São Paulo. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, elogiou o envolvimento da agricultura nas negociações, mas cobrou participação da indústria e do setor de serviços. "Há setores que eu sinto menos organizados e que tendem a reagir no susto", disse, acrescentando que, por isso, o Mercosul apresenta uma oferta, para piorá-la mais tarde. Amorim reconheceu que a nova proposta do Cone Sul para a UE não chegou à totalidade do que foi prometido informalmente ao comissário de Comércio, Pascal Lamy, "mas a uns 90%". Ele afirma, porém, que essa oferta representa um ganho real em relação à proposta apresentada em maio. Já a oferta da UE, na sua avaliação, é igual ou até pior. O governo se reúne hoje pela manhã com representantes da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB). Durante a tarde, haverá um encontro do Gecex (Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior), que reúne integrantes de vários ministérios. O objetivo é ponderar os custos e benefícios das propostas atualmente sobre a mesa e definir, ainda essa semana, uma resposta para os europeus. Mas as perspectivas, por enquanto, não parecem animadoras. "Com as condicionantes européias, fica difícil", admite o diretor do departamento de negociações internacionais do Itamaraty, Régis Arslanian. O embaixador se refere, por exemplo, ao parcelamento das cotas para os produtos agrícolas em 10 anos. "Já nos levantamos da mesa e abandonamos uma reunião por causa disso", disse, lembrando um encontro em Bruxelas. "Não será nenhuma tragédia se não fecharmos até 31 de outubro", reforça Arslanian, acrescentando que o país não pode correr o risco de fechar um acordo ruim. "É melhor esperar um pouco para negociar um melhor acordo", defendeu. Em relação à Alca, Amorim afirmou que é preciso esperar as eleições nos Estados Unidos, para retomar as negociações entre "um mês ou um mês e meio" depois. Ele ressaltou, no entanto, que é preciso voltar ao arcabouço estabelecido na reunião de Miami, que transformava a Alca em uma negociação essencialmente de acesso a mercados, ao invés de discutir regras de propriedade intelectual ou investimentos. "Se tivermos uma postura maximalista, não vai avançar. É bonito pensar em 34 países. Mas o ideal é uma negociação entre Mercosul e EUA", afirmou. Amorim ressaltou também que essas negociações não tratam apenas de comércio e é necessário cuidado. "Um país como o Brasil precisa de política industrial", disse, explicando que há compromissos internacionais que podem se transformar em um fator limitante. "O que tem de ideológico em defender uma política para fármacos? O que tem de ideológico defender uma política que permita o desenvolvimento?", questionou, em resposta aos empresários. O ministro fez uma firme defesa do Mercosul e afirmou que "é preciso pagar um preço por essa unidade". Era uma resposta às críticas de que a Argentina atrapalhou as negociações com a UE. Para Amorim, a integração com a América do Sul não é uma opção. "Ou ocorrerá pelo narcotráfico, pela violência, ou pelo comércio, pela integração", disse. Ele afirmou, ainda, que o mercado financeiro não faz diferença entre o Brasil e a Argentina.