Título: Após definir piso, governo pode fixar teto para superávit primário
Autor: Mônica Izaguirre e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2005, Brasil, p. A2

O governo considera a hipótese de estabelecer, na legislação, um teto para o superávit primário do setor público. Essa é uma das novidades que o Ministério do Planejamento estuda introduzir no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o próximo ano (LDO 2006), a ser enviado até amanhã ao Congresso. A idéia é fazer disso mais uma sinalização do compromisso assumido pelo Governo Lula de não elevar a carga tributária federal e, ao mesmo tempo, preservar recursos para investimento. A LDO é a lei anual que estabelece as diretrizes a serem observadas pelo governo ao elaborar a proposta orçamentária da União para o ano seguinte. As LDOs dos últimos anos também fixaram metas de resultado fiscal primário positivo (conceito que exclui tanto despesas com pagamento de dívida quanto receitas resultantes de endividamento). Mas, até aqui, o que sempre se estabeleceu, no caso desse indicador, foi um piso, jamais um teto. Como as anteriores, a LDO 2006 também terá uma meta-piso. Afinal, é ela que representa o compromisso do atual governo com a responsabilidade fiscal, sobretudo agora que não há mais acordo nem metas a cumprir com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Com a introdução também de um limite máximo, a meta de superávit primário do conjunto do setor público passará a ter como referência uma banda.

O projeto de lei em elaboração também deverá prever um prazo para reenquadramento, caso o resultado fiscal saia dos limites da banda. Falta saber se esse reenquadramento se dará pela renúncia de receita, com redução de tributos, pela elevação de despesas ou pela combinação de ambos. O piso de superávit para 2006, a constar no projeto que segue amanhã para o Congresso, está definido desde 2003, quando o então recém-empossado governo anunciou que o setor público teria de obter, no seu conjunto, uma sobra de receita primária equivalente a, no mínimo, 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), por ano. Já o teto ainda está em discussão, assim como a própria conveniência de se adotá-lo na LDO. Ontem, a decisão dependia do retorno do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, do Japão, onde foi à assembléia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A outra forma de expressar na LDO o compromisso do governo de não aumentar a carga tributária será a fixação de um limite para a própria arrecadação de receitas administradas pela Secretaria da Receita Federal. Conforme já tinha anunciado, em Minas Gerais, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, esse limite será de 16% do PIB, nível semelhante aos 16,05% do PIB previstos para a arrecadação de 2005. Esse é um nível superior a média de 13,8% do PIB observada nos últimos dez anos. Se vingar, a proposta do Planejamento de criação de um teto para o superávit primário exigirá do Tesouro Nacional um controle mais fino dos gastos federais. Ele não poderá mais ser comodista e, na dúvida, exagerar na retenção de recursos para garantir o piso. A meta fiscal do setor público pressupõe a participação de Estados, municípios e empresas estatais de todas as esferas de poder. Mas é o governo central que garante o resultado consolidado. Daí a influência do desempenho do Tesouro Nacional. Em 2004, por exemplo, houve uma grande distância entre a meta prevista na LDO e o resultado efetivo. A lei previa 4,25% do PIB e o ano encerrou com superávit de 4,6% do PIB. No segundo semestre, poucos meses antes do fim do ano, o governo aumentou a meta de superávit de 2004 para 4,5% do PIB. Comparado à meta revisada, portanto, o resultado não foi muito maior. A questão é que, embora o governo não admita, a própria elevação da meta foi conseqüência do exagero na retenção de recursos ao longo da maior parte do ano, combinado com o aumento de arrecadação. Ao fixar em 16% do PIB o teto para a carga tributária federal, o governo está consagrando, na prática, o volume médio de tributos cobrados nos últimos quatro anos. Mantém, portanto, o aumento de carga ocorrido na segunda metade dos anos 90. Os 16% do PIB equivalem às receitas administradas pela Receita Federal. Não incluem a arrecadação da Previdência Social, que no ano passado chegou a 5,3% do PIB, e outras receitas (taxas cobradas por órgãos públicos como Ibama e Anatel). Em 2004, o governo arrecadou, por meio dessas receitas, o equivalente a 2,4% do PIB. Somando-se os três itens (Receita, INSS e outras receitas), a carga tributária do governo federal atingiu 24,01% do PIB no ano passado - o valor da carga total será conhecido nos próximos dias, quando o governo receber os dados consolidados dos Estados e Municípios. Nos oito anos dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, a carga tributária cresceu, em média, um ponto percentual do PIB ao ano. As receitas administradas pela Receita Federal passaram de 11,9% do PIB em 1995 para 16,34% em 2002. No primeiro ano do governo Lula, essas receitas caíram para 15,61% do PIB, mas, em 2004, voltaram a crescer - para 16,21% do PIB. Com a rejeição da MP 232 pelo Congresso, a Receita, segundo estimativa da Fazenda, recolherá este ano o equivalente a 16,05% do PIB.