Título: Lula diz que foi à África para "arar a terra"
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2005, Brasil, p. A6

Com a visita de cinco dias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Camarões, Nigéria, Gana, Guiné-Bissau e Senegal, que se encerra hoje, o Brasil está "reatando o relacionamento com a África", e estabelecendo relações pessoais com os chefes de Estado do continente, disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "Viajamos para um país da África e as pessoas no Brasil ficam inquietas, querendo saber o que compramos e o que vendemos", queixou-se Lula, a uma platéia de cerca de 70 empresários, ao inaugurar a Câmara de Comércio Brasil-Gana, em Acra, capital do país. "Não é possível vender com a rapidez que alguns querem, muito menos comprar", argumentou. Lula comparou política de comércio exterior ao plantio de árvores. "Aramos a terra, colocamos a semente e precisamos adubar sistematicamente", receitou. As declarações de Lula e Amorim tiveram como pano de fundo notícias veiculadas no Brasil que criticavam a falta de resultados comerciais da visita presidencial. Boa parte das notícias se baseou nas declarações feitas, nos primeiros dias da viagem, pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que se queixou da impossibilidade de levar mais empresários na viagem - pela falta de vôos diretos regulares e de lugares nos aviões da comitiva de Lula - e reclamou da dificuldade de obter dados, na Nigéria, sobre as barreiras às exportações brasileiras para aquele país. Depois das queixas, já na noite do mesmo dia, Furlan jantou ao lado do ministro da Indústria nigeriano, Magaji Muhammed, que lhe prometeu os dados pedidos, entregues em uma reunião no dia seguinte. "Ele nos deu um mapa do comércio nigeriano, com todas as restrições, e nenhuma está acima do normal", disse o assessor especial do ministro, Mauro Couto. Na expectativa de aproveitar os sinais de boa vontade manifestados a Lula pelo presidente da Nigéria, Olosegum Obasanjo, o governo brasileiro enviará, em junho, uma missão de empresários ao país, chefiada por Furlan, para tentar aumentar em mais US$ 1 bilhão as exportações para aquele país. "Há um ditado inglês: o comércio segue a bandeira; se amanhã, precisarmos resolver alguma questão comercial na Nigéria que dependa de decisão política, o presidente Lula pode ligar diretamente ao presidente Obasanjo", comentou Amorim. "Cada um sabe o que o outro quer dizer, porque um já viu, já encarou o outro, olho no olho." Obasanjo irá ao Brasil dia 7 de setembro, quando, pensa Amorim, será possível discutir mecanismos de garantias para o comércio com a Nigéria, que tem uma dívida não reconhecida com o Brasil de quase US$ 160 milhões, por compromissos da década de 80. Furlan, durante a visita (da qual se desligou na terça, para compromissos na Europa), propôs que se usassem nesses mecanismos os pagamentos devidos pela Petrobras à Nigéria, país que fornece 52% do petróleo importado pelo Brasil. O ministro das Relações Exteriores também interrompeu a agenda oficial, para, em um encontro com jornalistas, defender os resultados dos encontros bilaterais mantidos nos últimos quatro dias. Amorim preferiu lembrar que, antes da viagem, o Itamaraty já havia classificado como principal objetivo da visita estabelecer um contato pessoal entre o presidente Lula e os presidentes dos países visitados Em Guiné-Bissau, país mais pobre da região, de língua portuguesa e recentemente democratizado, o Brasil tenta apoiar as forças partidárias para garantir a estabilidade política, exemplificou ele. A Embrapa firmou acordos de cooperação técnica em Guiné-Bissau e estuda convênios para produção da castanha de caju, uma das principais culturas locais. O país foi visitado por Lula à tarde, em uma escala entre Gana e Senegal, onde Lula foi saudado por uma multidão nas ruas e pelo presidente senegalês, Abdoulaye Wade, com um caloroso discurso em favor da relação bilateral. Guiné-Bissau recebeu do Brasil US$ 500 mil como auxílio às Forças Armadas do país, que se ressentem de falta de uniformes, equipamento e até telhados em quartéis. "Estamos ajudando a profissionalização das Forças Armadas, diminuindo a tensão, para de maneira positiva, afastá-las de ações políticas", comentou Amorim. Guiné-Bissau terá eleições em junho. "Não houve nenhum briefing do Itamaraty que disse ser objetivo da visita resolver a dívida da Nigéria; nunca dissemos que vínhamos aqui para assinar x, y ou z contratos", disse, citando o pequeno número de acordos assinados durante a visita e as dificuldades do governo para comprometer a Nigéria com a renegociação da dívida entre o país e o Brasil. "Se não era esse o objetivo não se pode medir a viagem por isso", queixou-se. Como Lula, Amorim também insistiu que apesar do enfoque político, o país poderá ter resultados comerciais com a visita, mas em prazo mais longo. "Não se pode cobrar resultados nos primeiros minutos do primeiro tempo", afirmou. Amorim não quis comentar as declarações de Furlan ("a única pessoa que pode comentar a declaração de outros ministros é o presidente", esquivou-se). Fez questão de lembrar, porém, que os dados sobre comércio exterior são responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, em uma indireta às queixas de Furlan sobre a falta de dados sobre as barreiras comerciais na Nigéria. Também por indiretas, Amorim demonstrou o mal-estar da diplomacia com a participação do ministro do Desenvolvimento na viagem à Africa Ocidental, que gerou interpretações de que a missão teria sido mal-sucedida. "Os comentários estão muito ligados a situações específicas, irritações com o protocolo", comentou, em referência às queixas de Furlan sobre a primeira reunião na Nigéria, em que ele queria começar logo a negociar com os nigerianos. "Quando fui falar com o presidente Obasanjo esperei uma hora, esperei duas horas para falar com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, mas nós estamos mais acostumados, faz parte de nosso trabalho." Amorim reconheceu, porém, que, para aproveitar a "janela" na agenda de Lula, a visita presidencial foi marcada com pouco tempo para completar algumas das negociações com os países visitados. Entre cancelar alguma das visitas e manter os contatos, preferiu-se manter todas as visitas.