Título: Renan passa a ameaçar o governo com a devolução de medidas provisórias
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2005, Brasil, p. A8

O clima tenso no Senado, contaminado pelas insatisfações do PMDB com o governo, abriu espaço para o presidente da Casa, Renan Calheiros, endurecer o discurso contra a edição de Medidas Provisórias e avalizar a devolução delas ao Executivo se essa for a vontade do plenário. Calheiros afirmou que se não for possível alterar o rito das MPs na Constituição, a única alternativa é a devolução. "Temos que mudar a Constituição. Se não for possível, temos que devolver as MPs sim. Não vou, como presidente, submeter o Senado a essa situação", desabafou Calheiros, na presidência da sessão. Ficou acertado ontem que no dia 28 a comissão mista especial que analisa o rito das medidas provisórias terá que apresentar um parecer definitivo sobre a tramitação. Uma das idéias é que a MP tenha que ser analisada na Comissão de Constituição e Justiça das duas Casas - Câmara e Senado -, e depois o mérito seria analisado nas comissões temáticas. Ela só trancaria a pauta 60 dias após a tramitação na Câmara e, após chegar ao Senado, teria 45 dias para ser analisada, sem sobrestar a pauta. A avaliação de governistas é que Calheiros endureceu o discurso contra o governo para tentar tirar da agenda política as denúncias contra o ministro da Previdência, Romero Jucá. O embate em torno da edição de medidas provisórias tem mobilizado deputados e senadores. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, ameaçou devolver ao Executivo as MPs, mas não há respaldo legal para isso. Somente o plenário poderia recusar-se a analisar uma medida provisória, alegando que ela não obedece aos pressupostos de urgência e relevância. Segundo Calheiros, de cada dez leis aprovadas no país, sete são provenientes de medidas provisórias. "Essa é a inversão completa do papel dos três poderes", afirmou o presidente do Senado. "Ou o governo deixa de editar medidas provisórias em profusão, ou teremos, sim, que devolver as MPs. Isso não é bravata. É a constatação de uma lamentável realidade", disse ele. A paralisia do Congresso com a edição de medidas provisórias, pontuou Renan Calheiros, chegou "às raias do insuportável". Até março, o governo Lula editou 141 MPs, sendo 67 de cunho administrativo, oito relativas à economia, 27 de regulamentação, 29 referentes a temas sociais e 14 de caráter tributário, segundo levantamento da consultora Umbelino Lobo, de Brasília. Desse total, mais de 90% (116) foram aprovadas, sem contar as que estão em tramitação, mas cerca de 70% delas (79) foram alteradas pelo Congresso. Em média, as MPs que sofreram alteração levaram 82 dias para serem aprovadas, enquanto as que não foram mudadas somente 73 dias, de acordo com o mesmo levantamento. Cálculos de senadores indicam que cerca de 70% das sessões deliberativas, ano passado, estiveram com a pauta bloqueada por MPs por votar. Segundo levantamento da presidência do Senado, há 559 matérias na fila para ser votadas, esperando a desobstrução da pauta. A alternativa defendida ontem pelo PMDB e até pelo PT - por meio do vice-presidente do Senado, Tião Vianna (AC) - é que uma MP cuja admissibilidade for rejeitada, ou seja, que não for urgente nem relevante, continua a tramitar em forma de projeto de lei. Já existe, no Senado, uma proposta do senador Hélio Costa (PMDB-MG) tramitando. O líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP), disse que o melhor caminho é encontrar uma solução definitiva para o rito das MPs na comissão especial. Ele pediu aos líderes tempo para o governo amadurecer a proposta de transformação das MPs em projetos de lei. A comissão que estuda a revisão do rito de tramitação das MPs é presidida pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e tem como relator o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). Já há alguns pontos de consenso sobre a votação do dia 28, entre os quais os prazos. A MP editada só tranca a pauta após 40 dias, por exemplo. O Senado terá mais tempo para analisar as medidas - elas já não chegarão da Câmara trancando a pauta. Os líderes no Senado queriam vetar a edição de MPs para criar ou aumentar impostos. Mercadante foi contra, mas na última conversa admitiu alguma negociação. Mas está certo que o governo não poderá alterar contratos por medidas provisórias, como no caso do confisco da poupança no governo Collor.