Título: Penhora on line e efetividade do processo
Autor: Rubens Carlos Vieira
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2005, Legislação & Tributos, p. E2

A Lei Complementar nº 118, de 2005, que deu nova redação a alguns artigos do Código Tributário Nacional (CTN), provocou certa comoção no meio jurídico, notadamente entre aqueles que militam na área tributária, os quais, numa análise parcial do assunto, têm demonizado a inovação. Faz-se aqui referência ao artigo 2º, que acrescentou o artigo 185-A ao código, criando a penhora on line (também conhecida como BacenJud) no âmbito das execuções fiscais. Argumenta-se que a penhora on line equivale à penhora do próprio estabelecimento comercial, o que poderá inviabilizar a atividade comercial do devedor. E mais, dizem alguns, trata-se de medida arbitrária e que visa proteger tão somente os interesses fazendários. Uma análise superficial dos efeitos do novo instrumento basta para demonstrar exatamente o contrário, pois que, em última análise, a medida beneficia exatamente o contribuinte que paga corretamente os seus tributos. Nas atividades de execução da dívida ativa da União é comum que os procuradores da Fazenda Nacional se deparem com grandes devedores do fisco, os quais parecem estar à margem da legislação tributária. Não pagam seus tributos e quando são cobrados obstaculizam o andamento do processo por anos e anos, valendo-se da morosidade do Poder Judiciário e de manobras processuais de idoneidade duvidosa. É comum devedores procederem à nomeação de bens inexistentes ou de terceiros à penhora judicial, bem como títulos sem nenhum valor de mercado, dentre outras práticas nefastas. Disso decorre que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios não recebem seus créditos tributários, pelo que se vêem obrigados a dividir o prejuízo com a parcela da sociedade que recolhe seus tributos, acentuando ainda mais a injustiça fiscal. Como se não bastasse, a sonegação tem outros efeitos colaterais um pouco mais difíceis de serem visualizados, mas nem por isso menos danosos ao desenvolvimento econômico e social do país. Isso porque o ato de sonegar também prejudica a livre concorrência e contribui para o aumento do mercado informal. Tal ocorre porque o devedor contumaz de tributos consegue oferecer preços e condições mais vantajosas do que seus concorrentes. Por via oblíqua, a prática ilegal e desleal fomenta a informalidade, pois que, de outro modo, novas empresas não conseguem se situar no mercado. A execução fiscal, tal como se desenvolve hoje, não atinge seu objetivo precípuo, qual seja, entregar ao exeqüente o bem perseguido (crédito tributário), objeto da prestação inadimplida. É preciso modernizá-la, notadamente adequando-a às inovações tecnológicas. Nessa contextura, a positivação da penhora on line pela Lei Complementar nº 118 é medida digna de aplausos. O instituto da penhora on line surgiu na Justiça do Trabalho em 2002 através de convênio entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Banco Central do Brasil (Bacen), contribuindo decisivamente para uma significativa efetividade do processo de execução naquela Justiça especializada, pois, ao contrário do que acontece com o Poder Judiciário, do sistema financeiro o devedor não escapa, na medida que não é seguro e nem lucrativo manter dinheiro debaixo do colchão.

A execução fiscal, tal como se desenvolve hoje, não atinge seu objetivo de entregar ao exeqüente o bem perseguido

Até o advento do referido convênio, a execução trabalhista quase sempre restava frustrada, tendo em conta a inexistência de bens penhoráveis do devedor. É inegável que o novo sistema trouxe maior efetividade ao processo de execução na Justiça trabalhista, emprestou maior respeitabilidade às decisões judiciais e reduziu o conhecido termo "ganhou mas não levou". Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2004 foram feitos cerca de 440 mil acessos em todo o país, contra 246.650 em 2003. Embora o legislador tenha optado por positivar o instituto nas execuções fiscais, entendemos que este já era possível de ser aplicado antes do advento da Lei Complementar nº 118, uma vez que a penhora on line é constrição em dinheiro, já regulada pelo Código de Processo Civil (CPC) e pela Lei das Execuções Fiscais. Trata-se apenas de um método mais eficaz e moderno de se chegar aos bens do devedor. É que, nos termos do artigo 11 da Lei de Execuções Fiscais, a penhora efetuada em dinheiro precede a de qualquer outro bem do executado. Nesse sentido é a manifestação do ministro Vantuil Abdala, do TST: "Na forma do artigo 655 do Código de Processo Civil, que estabelece a ordem preferencial para que o devedor nomeie bens à penhora, o dinheiro figura em primeiro lugar. Note-se que não houve alteração no particular. O diferencial do convênio é que as ordens de constrição de dinheiro, antes realizadas por meio de expedição de ofícios via postal e cujo cumprimento demorava cerca de 60 dias, agora passam a ser executadas em 24 horas, 48 horas quando muito, consistindo em um método eficaz contra os maus pagadores". Essa tese é corroborada, ainda que em parte, pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, na decisão proferia no Agravo de Instrumento nº 2003.04.01.0566770-4/SC, julgado em 9 de março de 2004: "Execução fiscal, localização de contas bancárias através do sistema BacenJud. Medida excepcional. Em caráter excepcional, quando não localizados outros bens passíveis de constrição, é viável, em execução fiscal, a localização de contas em nome do executado mediante utilização do sistema BacenJud". Tal como ocorre na execução trabalhista, a medida em comento atingirá apenas os devedores contumazes que se furtam do cumprimento das obrigações tributárias legitimamente constituídas. Assim, a possibilidade de bloqueio de contas e bens no processo de execução fiscal representará uma verdadeira revolução na cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, contribuindo decisivamente para o aumento da arrecadação (sem aumento da carga tributária), resguardará a livre concorrência e propiciará uma diminuição do mercado informal, promovendo a justiça social.