Título: Imagens na África
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Brasil, p. A2

"Onde está o pessoal da Andrade? Vamos fazer um foto com o pessoal da Andrade", avisou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos assessores, que o encaminhavam para a saída do hotel onde estava hospedado, no Camarões, no começo da caravana africana que promoveu na semana passada. O pessoal da Andrade Gutierrez, única empresa brasileira com representação no país, o esperava metros adiante, e encerrou a visita presidencial com o saldo de uma foto ao lado de Lula, e vários discursos do presidente, nas cerimônias de sua visita de Estado, em defesa do aumento no uso dos serviços da empresa brasileira no país. Após a quarta visita de Lula ao continente africano, está cada vez mais claro que o governo não fez uma mera opção retórica pela África, e que Lula, pessoalmente, está empenhado em fazer com que saiam bem na foto os investimentos e o comércio do Brasil na sua fronteira oriental, além-Atlântico. Não é fácil. Sem condições de disputar com o abundante financiamento europeu, a Andrade, que posou com Lula, no Camarões, associou-se a uma empresa grega, que a subcontratou, para a estrada de 22 milhões de euros que está construindo em solo camaronês. No Senegal, em que o chefe de Estado brasileiro desfilou pela capital, Dacar, em carro aberto, sob aplausos de uma multidão nas ruas, praticamente nem se tocou em negócios privados. O país é um mercado dominado por empresas francesas, que não deixam muito espaço para a concorrência de fora. O comunicado final dos dois presidentes, Lula e Abdulayê Wade, é vago em comércio e investimentos bilaterais: eles têm menos destaque que a idéia dos dois presidentes de realizar um jogo entre as seleções de futebol. Na Nigéria, maior parceiro africano no Brasil, com uma de população de 133 milhões de pessoas e uma economia que a fez ser apontada como o país onde o componente econômico e comercial seria o maior na visita de Lula, não é segredo o ambiente hostil a negócios, com regras pouco transparentes nas relações com o governo, violência nas cidades e um sistema jurídico e policial que faz o brasileiro parecer modelo de perfeição. Na curta visita de um dia a Abuja, capital nigeriana, a comitiva de Lula sentiu pessoalmente os riscos a que está submetido um homem de negócios em visita ao país. A bagagem de um dos executivos do avião reserva da Presidência desapareceu no hall do hotel. A equipe técnica de uma emissora de TV, encarregada da geração de imagens da visita, foi achacada pelo motorista de táxi que rodou por mais de uma hora pela cidade, exigindo mais que os US$ 150,00 que havia cobrado previamente, para fazer uma corrida que não custaria US$ 10,00 se cobrada com base em taxímetro. Casos desses tipos nem surpreendem quem está acostumado a trabalhar com o país. Mas há uma onda de reformas políticas e econômicas na África, e um interesse renovado por parte de empresas e governos, como o do Japão, que escolheu o continente como uma de suas prioridades de investimento e cooperação. O grande afluxo de programas de ajuda e cooperação aos países africanos levou o Banco Mundial a criar um programa especialmente desenhado para abrigar e coordenar esse dinheiro bem intencionado. Um dos responsáveis pelo projeto, por coincidência um brasileiro, Carlos Cavalcanti, passa parte do ano em Gana e era um dos convidados ao encontro de Lula com a comunidade dos Tabom, descendentes de ex-escravos brasileiros retornados, que deram ao presidente o título de rei honorário.

Visita indica que falta sintonia ao governo

O assédio ao presidente da Embrapa, Sílvio Crestana, durante a viagem, mostra que a ciência e tecnologia desenvolvidas no país têm lá um enorme mercado potencial. Os empreiteiros que cobiçam o mercado africano (além da Andrade Gutierrez, a Camargo Corrêa participou da comitiva, e a Odebrecht tem seus canais já bem azeitados em países como Angola) contam com a expertise adquirida em obras como as estradas na Amazônia e, quem sabe, com ajuda do BNDES, para diferenciar-se em relação aos concorrentes internacionais. Lula levou para a visita - e, aparentemente, carregará para as próximas - o discurso já usado pelos governos brasileiros nos anos 70, da dívida histórica do Brasil com o continente. Agregou a pregação sindical, em defesa da união dos países pobres para fazer frente aos interesses dos ricos. Sua política externa para o continente africano é bem mais sofisticada que fazem crer os discursos presidenciais, mas a visita - se mostrou ganhos potenciais ao Brasil com a aproximação em relação à África - revelou também que falta sintonia entre as principais pontas de lança de sua investida internacional, o Ministério do Desenvolvimento e o Itamaraty. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, não escondeu seu descontentamento com o protocolo do governo nigeriano e com os diplomatas brasileiros na Nigéria. Ao descobrir, decepcionado, que havia barreiras a produtos que esperava vender aos nigerianos, cobrou publicamente deles um levantamento sobre as dificuldades de entrada das mercadorias brasileiras no país. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, depois de tentar desconversar, falando da amizade pelo colega de ministério, fez referências sutis ao atrito entre os dois, lembrando que cabe ao Desenvolvimento o levantamento de dados das barreiras comerciais e que o protocolo exige alguma paciência e é parte integrante da diplomacia internacional. Mais que a intriga palaciana, o descompasso mostrado pelos dois ministérios na viagem africana é um sinal de que não são só as dificuldades eventuais de fazer negócio e política com o continente vizinho que podem velar o filme dos esforços do governo Lula em sua prioridade para a África. A falta de diálogo entre os interlocutores brasileiros pode ameaçar a preparação da investida do país em mercados e parceiros potenciais, provocar duplicação desnecessária de esforços, boicotar a disposição do presidente de usar a própria imagem para promover lá fora o Brasil e as empresas brasileiras.