Título: Proposta de LDO limita espaço para Congresso alterar Orçamento
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Brasil, p. A2

A fixação de tetos para a receita administrada e para as despesas correntes do governo federal, proposta no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006, terá implicações na forma como o Congresso modifica o orçamento proposto pelo Executivo. O espaço para inflar a estimativa de receita e aumentar despesa será menor. Como nenhuma das duas poderá ultrapassar determinado percentual do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente 16% e 17%, a possibilidade de elevação, em termos nominais, ficará restrita à hipótese de revisão de parâmetros macroeconômicos, como inflação e crescimento real da economia. "Ficará difícil colocar no orçamento receitas fictícias", explicou ao Valor uma fonte governamental que participou da elaboração do projeto, encaminhado na noite da última sexta-feira ao Legislativo. A elevação da estimativa de receita pelo Congresso, como forma de criar espaço para gastos não previstos na proposta orçamentária original, tem sido comum nos últimos anos. No orçamento de 2005, por exemplo, a previsão de receitas administradas pela Secretaria da Receita Federal (SRF) subiu de R$ 302,3 bilhões para R$ 323,1 bilhões, passando de 16,34% para 16,74% do PIB, entre o projeto original e a lei que saiu do Congresso. A revisão de parâmetros, incluindo a da base sobre a qual foi calculado o crescimento da arrecadação, respondeu por apenas R$ 9,5 bilhões de toda essa diferença. Cerca de R$ 13,2 bilhões, mais da metade, portanto, foram acrescentados como receitas atípicas decorrentes da expectativa de decisões judiciais favoráveis ao governo em matérias tributárias. Assim, mesmo com o efeito redutor de R$ 1,9 bilhão da correção da tabela do imposto de renda das pessoas físicas, o total acrescentado chegou a quase R$ 21 bilhões. Ao aprovar um teto para os impostos e contribuições de responsabilidade da SRF, o Congresso estará proibindo a si mesmo de fazer outros acréscimos que não aqueles decorrentes de eventual revisão do PIB. Em tese, os parlamentares podem até rejeitar essa limitação, retirando-a do projeto de LDO. Mas, diante da reação de diversos segmentos organizados da sociedade contra a magnitude da carga tributária no Brasil, isso implicaria um alto custo político, com o desgaste da imagem do Congresso. Se, por um lado, os parlamentares terão menos espaço para aumentar receitas e despesas, de outro, eles também reduzirão a margem de manobra do governo para contingenciar o orçamento que for aprovado pelo Congresso. "Sem o acréscimo de receitas fictícias, não teremos justificativa para não executar o que estiver na lei orçamentária, a não ser quando forçados por fatores relacionados ao real comportamento da economia" (como, por exemplo, queda do PIB projetado), disse ao Valor um importante funcionário do governo. "O orçamento será quase impositivo", concluiu. A proibição de que a lei orçamentária de 2006 estime em mais de 16% do PIB o volume de impostos e contribuições a cargo da Secretaria da Receita Federal foi colocado no corpo do projeto da LDO -- e não só nos anexos. No mesmo artigo 2º, está também a proibição de que o orçamento contenha dotações em montante superior a 17% do PIB para gastos correntes do governo federal. Isso inclui todas as despesas primárias, com exceção dos investimentos e das despesas relacionadas a repartições constitucionais e legais de receita, como os repasses ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Por determinação do presidente Lula, a equipe econômica também incluiu no corpo do projeto de LDO uma ordem para redução tanto das receitas administradas quanto das despesas correntes a partir de 2007. Isso significa que a LDO para 2007 terá que impor tetos inferiores a 16% e 17% do PIB, respectivamente. "Vamos fixar metas de redução", disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao anunciar o projeto. Como essas metas só serão definidas no próximo projeto de LDO, para reforçar o compromisso com a não elevação da carga federal de tributos, o governo fixou para 2007 e 2008 os mesmos tetos válidos para 2006. Mas eles serão revistos para baixo. "Existe uma inversão na forma de conduzir a política fiscal", afirmou o secretário executivo da Fazenda, Bernard Appy, então como ministro interino. Ele argumentou que, diferente do governo Fernando Henrique Cardoso, o governo Lula não só estancou o crescimento como ainda vai reduzir a carga tributária. Numa resposta à oposição, ele disse ainda que as falsas acusações de que Lula aumentou a carga tributária partem justamente "daqueles que a elevaram de 11% do PIB, em 1996, para 16,3% do PIB em 2002". "Os empresários não precisam mais temer aumento de impostos", acrescentou Appy, dizendo ainda que "a política fiscal vai ser gerida para viabilizar o crescimento econômico". Ao destacar que as metas a serem fixadas para 2007 e 2008 terão que ser cumpridas por quem se eleger em 2006, ele não conseguiu esconder que trabalha com a possibilidade de reeleição de Lula. O artigo 2º do projeto de LDO estabelece também, em 4,25% do PIB, o piso de superávit primário para o conjunto do setor público em 2006. Nas LDOs anteriores, a meta de resultado primário (o conceito exclui tanto despesas com pagamento de dívida quanto receitas de endividamento) constou apenas nos anexos e não no corpo da lei como agora. A mudança é uma forma de o governo assegurar que o compromisso com a responsabilidade fiscal está e será mantido, mesmo não se tendo renovado o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2007 e 2008, os anexos do projeto também fixam em 4,25% do PIB o piso do superávit primário do setor público. Embora tenha sido cogitada no âmbito do Ministério do Planejamento, a intenção de fixar um teto para o superávit primário não prosperou. A discussão morreu no próprio Planejamento, diante da preocupação do ministro Paulo Bernardo de não entrar em choque a Fazenda, contrária até mesmo à idéia de discutir o assunto. A discussão tinha chegado ao Planejamento a partir de uma reunião do secretário-executivo, Nelson Machado, com deputados do PT. Segundo fontes do governo, nesta reunião, os parlamentares disseram que, se o governo não incluísse o teto de superávit no projeto de LDO, eles mesmos tentariam fazê-lo durante a tramitação no Congresso.