Título: BC deixa câmbio quieto de olho na inflação
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Brasil, p. A8

O Banco Central (BC) observa impassível a queda do dólar nas últimas semanas, depois de ter comprado US$ 12,8 bilhões no mercado entre 6 de dezembro e 16 de março. Para a maior parte dos analistas, fica cada vez mais claro que a autoridade monetária permite a valorização do câmbio para usar o dólar barato na luta contra a inflação. No primeiro trimestre, o real forte deu mostras de que ajudou a conter a alta dos preços. No período, os bens comercializáveis do IPCA, influenciados fortemente pelo câmbio, aumentaram 0,87%, enquanto os não comercializáveis subiram 2,8%. O índice cheio fechou em 1,79%. Para o BC, que persegue uma meta de inflação de 5,1% para este ano, a queda do dólar é bem vinda num momento em que surgiram novas fontes de pressões sobre os preços, como a alta do petróleo e de outras commodities. O câmbio absorve parte desses choques, nota o economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, para quem o real mais forte abre espaço para uma política monetária menos rigorosa e, com isso, para menos sacrifício em termos de crescimento. Ele ressalta que os bens comercializáveis subiram muito pouco nos três primeiros meses do ano, principalmente em fevereiro (0,06%) e março (0,19%), acrescentando que os preços industriais no atacado também ficaram comportados. Em março, aumentaram apenas 0,17%, refletindo em boa parte o recuo do câmbio, afirma ele. Esses preços chegaram a subir quase 2% ao mês em meados do ano passado. "O comportamento dos bens comercializáveis e dos preços industriais no atacado mostra que a contribuição do câmbio para a queda da inflação é significativa", resume Bassoli. Dirceu Bezerra Jr., sócio da Rosenberg & Associados, não tem dúvidas de que o BC voltou a usar o dólar para controlar a inflação. O fluxo de recursos para o país continua forte, devido ao desempenho surpreendente das exportações e à entrada de dinheiro que vem para aproveitar o diferencial entre juros internos e externos. O mercado de câmbio registra uma entrada líquida média de US$ 2,7 bilhões ao mês no primeiro trimestre, muito acima dos US$ 504 milhões registrados no mesmo período de 2004, afirma Bezerra. Como o dólar se mantém em queda neste mês, tudo indica que o país continua a receber um fluxo significativo em abril. Nesse cenário, sem a atuação do BC, o mais provável é que o dólar oscile entre R$ 2,55 e R$ 2,60, diz Bezerra, sem descartar novas quedas da moeda. O BC comprou dólares agressivamente entre dezembro e 16 de março e aproveitou a enxurrada de dinheiro para o país para recompor o caixa em moeda forte. As reservas líquidas (que excluem os recursos do FMI) subiram de US$ 24,2 bilhões em novembro para cerca de US$ 38 bilhões, um nível relativamente confortável, que torna menos premente a intervenção do BC no mercado, diz Bassoli. Além disso, como a balança comercial tem registrado sucessivos recordes, podendo inclusive superar neste ano o superávit de US$ 33,7 bilhões de 2004, a autoridade monetária tem argumentos fortes para justificar a atuação mais comedida no câmbio. Com uma situação tranqüila do ponto de vista das contas externas, permitir a valorização do câmbio faz sentido dentro da lógica do regime de metas. O mercado projeta atualmente um IPCA de 6,04% para 2005, bem acima do alvo de 5,1%. A estratégia do BC está longe de obter unanimidade. Para Bezerra, o ideal seria o BC aceitar uma inflação mais alta, algo como 6% a 6,5%, e voltar a comprar dólares. Ele avalia que o nível de reservas de fato melhorou, mas ainda não é o ideal, acrescentando que seria importante reduzir a volatilidade do mercado de câmbio. Por fim, um dólar barato pode afetar decisões de investimento ligadas à exportação. Bassoli, por sua vez, acredita que o BC está certo, já que o câmbio valorizado possibilita juros mais baixos e um crescimento mais forte. Além disso, ele entende que não há evidências de que a balança comercial esteja sendo afetada pelo dólar mais barato. Os analistas acreditam, porém, que o BC não ficará totalmente fora do mercado. O economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, avalia que o objetivo de recompor reservas continua a ser prioridade do BC e deve ser retomado a qualquer momento, ainda que a um ritmo mais modesto daqui para a frente. Mesquita acredita que a autoridade monetária também poderá voltar a fazer leilões de swap reverso, o que equivale a comprar dólares no mercado futuro. Essa prática foi abandonada há cinco semanas. Para ele, um dos fatores que explicam por que o BC saiu do mercado, além do maior volume de reservas, é que a atual valorização do câmbio se deve principalmente ao fluxo comercial. No começo do ano, afirma ele, o dólar despencou em grande parte devido à entrada de recursos especulativos, que vinham para aproveitar os juros. Esse movimento continua a existir, mas o fluxo comercial seria preponderante. (SL)