Título: Estratégia de Lula é melhor, diz Broda
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Brasil, p. A8

O economista Miguel Angel Broda prevê um crescimento de 7% a 7,5% para a Argentina em 2005, mas adverte que esse ritmo de expansão não vai se manter nos próximos anos. Depois de esgotar a capacidade ociosa e usar intensivamente o capital investido nos anos 90, o país deve avançar a um ritmo mais modesto, de 3% a 4%, o que deve ocorrer já em 2006, diz Broda. O desempenho de 2005 seria uma "reação técnica" ao tombo do PIB ocorrido entre 1999 e 2002, quando a economia encolheu 20%. Para crescer a taxas mais robustas, seria necessário um ambiente de negócios que atraísse investimentos e, desse modo, aumentasse a produtividade , afirma Broda, um dos mais respeitados economistas argentinos. A questão é que ainda há fatores de incerteza, como o comportamento do presidente Néstor Kirchner, avalia ele. A estratégia de confronto com multinacionais e com instituições como o FMI adotada por Kirchner não ajuda nada na concretização desse quadro- pelo contrário. Para Broda, não cabe dúvida de que a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de evitar esse tipo de conflito, é mais correta. Mas ele vê pontos positivos no governo argentino, como a política fiscal do ministro da Economia, Roberto Lavagna - em 2004, o superávit primário do governo federal foi de 4% do PIB. A reestruturação da dívida também recebe elogios, por ter dado prioridade à sustentabilidade de longo prazo da dívida. No entanto, como a troca ainda não se materializou - por uma contestação jurídica nos EUA - e como Kirchner tem provocado diversos conflitos nas últimas semanas, Broda avalia que as vantagens de sair do calote ainda não se traduziram em melhora dos indicadores de investimento e nem em expectativas mais positivas para o futuro da Argentina. Broda atacou a idéia de que a moratória poderia ser uma boa opção para o Brasil. A Argentina, lembra ele, passou pela maior crise de sua história com o default e a saída da conversibilidade. Broda diz, porém, que se o país tentar pagar a dívida e não conseguir, o modelo de reestruturação da Argentina pode ser seguido. Questionado sobre a elevação dos juros no Brasil e o nível das taxas reais por aqui, Broda não respondeu. Disse que preferia esperar o resultado da reunião desta semana do Comitê de Política Monetária (Copom), que pode interromper o ciclo de alta iniciado em setembro. Na próxima segunda-feira, ele estará no Brasil para participar de um evento promovido pelo Valor. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. Valor: No primeiro trimestre a inflação na Argentina acumulou alta de 4,05% e pode fechar o ano acima de 10%. A Argentina enfrenta uma ameaça inflacionária grave? Miguel Angel Broda: Por enquanto não, mas a inflação está caminhando para uma taxa de 10% em 2005, quando a meta do programa de política monetária é entre 5% e 8%. A inflação no primeiro trimestre foi muito elevada, o equivalente a 17% anualizados. É bastante generalizada. Não é causada pelo chuchu como foi o caso do Brasil nos anos 80. Mas não parece haver condições um aumento mais forte da inflação, porque não há expectativas de desvalorização, não é necessário emitir para financiar o déficit porque há superávit primário, não se generalizaram ainda expectativas de inflação crescentes e não há indexação de salários. Apesar disso, é um problema importante, que deve levar a uma desaceleração da demanda nos próximos trimestres e a uma menor expansão monetária. A Argentina tem um programa de política monetária de metas de inflação, mas o faz por meio de metas intermediárias de agregados monetários. As metas ficaram no limite superior da meta de expansão da base. Seria conveniente ficar no limite intermediário das duas metas e não no teto. Aí vem a questão mais importante sobre que grau de independência tem o Banco Central, porque tanto o presidente como o ministro da Economia falam de inflação de 10% a 11%, mas não tomaram consciência de que a Argentina tem um programa monetário de metas de inflação. Valor: As taxas de juros na Argentina são muito baixas. Elas vão subir? Broda: A taxa básica é de 3,25% e a taxa das Lebac [títulos públicos] de 90 dias é de 5,25%, tendo subido 1,15 ponto percentual nos últimos 30 dias. A Argentina tem de fato juros baixíssimos, mas estão subindo. A decisão de ter um programa monetário menos expansivo levou as taxas das letras que vende o BC e as de curto prazo a subirem entre 1 e 1,5 ponto percentual nos últimos 30 dias. São taxas muito baixas, que seguramente têm que subir se se pretende cumprir o programa monetário e estar perto da meta de inflação. Valor: A Argentina cresceu 9% em 2004 e 8,8% em 2003. Quanto deve crescer neste ano? A Argentina está próxima do crescimento sustentado a taxas elevadas? Broda: Em 2005, o que está ocorrendo ainda é uma reação técnica para voltar aos níveis em que nós estávamos antes da enorme crise que tivemos. O consenso de mercado é de que a Argentina vai crescer 6%. A nossa previsão é entre 7% e 7,5%. Mas deve haver uma desaceleração do desempenho trimestral. No segundo semestre do ano passado, nós fomos um dos países do mundo que mais cresceram, a uma velocidade de 12,7% ao ano. Mas, depois do crescimento de 2005, de ter esgotado a capacidade ociosa, a taxa de crescimento sustentado de médio prazo é substancialmente menor. Valor: Qual seria essa taxa? Broda: Acho que a Argentina fez um enorme progresso de não repetir a volatilidade do crescimento dos últimos 30 anos. A Argentina tem pela frente uma política econômica que provavelmente evita crises cíclicas. Mesmo assim, a Argentina não cria um ambiente de negócios para atrair investimentos e aumentar a produtividade que permita uma taxa de crescimento sustentável de longo prazo alta. Acho que a Argentina pode crescer de 3% a 4% depois de esgotar a capacidade ociosa e de ter usado intensivamente o capital investido que se fez nos anos 90. Valor: Quando a Argentina começa a crescer nesse ritmo? Broda: Acho que em 2006. A nossa previsão para o ano que vem é de 3,9% e o consenso de mercado é de 3,6% a 3,9%. Valor: A reestruturação da dívida mudou para melhor as perspectivas de crescimento no longo prazo? Broda: A reestruturação da dívida foi muito bem-sucedida. A Argentina priorizou a sustentabilidade de longo prazo, mas a reestruturação ainda não se materializou. Há um embargo de US$ 7 bilhões de valor nominal dos títulos velhos em Nova York, onde está a câmara de apelação, mas se espera que até o fim do mês isso se resolva e permita a realização da troca. A reestruturação foi um passo importante. Mas, como há credores de US$ 19,5 bilhões da dívida que não aceitaram a troca e a Argentina insiste que não vai fazer nada com relação a isso, fica uma incerteza no sentido de qual será a necessidade de financiamento para pagar acordos extrajudiciais ou abrir uma nova reestruturação. Eu diria ainda que, devido a comportamentos do presidente no último mês, as vantagens em termos de expectativas de uma reestruturação bem-sucedida ou da extraordinária taxa de crescimento ficaram diluídas. Valor: Quais foram os principais conflitos que o Sr. destacaria? Broda: A ameaça do presidente à Shell, o conflito com a Sociedade Americana de Imprensa, o conflito com a igreja e recentemente decretos que violam a privacidade sobre o que está na internet. Além disso, ele também endureceu nos últimos dias os comentários em relação a um eventual acordo com o FMI. O impacto da troca não afetou expectativas e, como ainda não se materializou, também não mudou a possibilidade de acesso do setor privado ao mercado internacional. As vantagens de sair do default não afetaram nem os indicadores de investimento e nem as expectativas sobre o futuro da Argentina. Além disso, o país terá que continuar a fazer um esforço fiscal significativo na próxima década, devendo fazer superávits primários acima de 3,5% do PIB nos próximos dez anos. Valor: Kirchner adota uma estratégia de confronto com o FMI e as multinacionais, oposta à estratégia de Lula. Qual é a mais correta? Broda: Não cabe nenhuma dúvida que a estratégia mais correta é a de Lula. A Argentina tem um alto grau de intervenção do Estado no mercado e não tem um ambiente pró-negócios. A estratégia de Lula, apesar dos problemas como a demora das reformas estruturais, é mais adequada. Valor: Alguns economistas no Brasil consideram que o país deveria seguir a Argentina e não pagar a dívida, para tentar uma reestruturação. O que o Sr. acha disso? Broda: Isso seria um grave erro. A Argentina teve no default e na saída da conversibilidade a maior crise de sua história. O PIB caiu 20% e o nível de pobreza e de indigência triplicou. Mas pode ser que o Brasil tente pagar e não consiga e, sem buscar o default, tenha que ir à reestruturação. Nesse caso, claramente o exemplo da reestruturação da Argentina pode ser usado. Mas eu não recomendaria a ninguém no mundo copiar a Argentina. Valor: Qual é o principal desafio da Argentina nos próximos anos? Broda: No curto prazo, a Argentina tem o problema da inflação e o do acordo com o FMI. No longo prazo, o grande desafio é atrair investimento competitivo que aumente a produtividade, para poder sair deste exemplo de fracasso no mundo. A Argentina tem o mesmo PIB per capita em 2004 do que em 1974. Valor: Qual a maior qualidade e o maior problema da política econômica do ministro Roberto Lavagna? Broda: O melhor de Lavagna é o superávit primário e a moderação. Outra coisa positiva foi ter realizado a reestruturação da dívida priorizando a sustentabilidade de longo prazo e não o máximo de aceitação pelos credores. Os maiores problemas não são essencialmente de Lavagna, porque são coisas que não estão exclusivamente em sua órbita. Um exemplo é a demora em negociar os contratos que foram pesificados após a desvalorização com as empresas privatizadas provedoras de serviços públicos. Outro é a intervenção do Estado no sistema de preços com subsídios para mantê-los baixos, o que estimula o consumo e desestimula o investimento, como ocorre com o setor de energia.