Título: Recuo e afago aos produtores
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2010, Política, p. 3

Temendo prejuízo nas urnas, governo assume costurade um texto consensual no Senado para resolver a crise dos royalties dopré-sal

A iminência de uma crise entre partidos aliados apouco mais de seis meses das eleições presidenciais fez o governofederal recuar no discurso e nas atitudes para discutir a essência doprojeto que muda as regras de divisão dos royalties do petróleo. Aestratégia antes anunciada pelo Palácio do Planalto, de manterdistância dos debates, teve de ser revista para evitar estragos maioresao marco regulatório do pré-sal e à aliança entre PT e PMDB na corridapresidencial. Ontem foi a vez do ministro de Relações Institucionais,Alexandre Padilha, tentar articular um consenso com senadores dosestados produtores.

O ministro esteve com Francisco Dornelles (PP-RJ) e RenatoCasagrande (PSB-ES), além do líder do governo no Senado, Romero Jucá(PMDB-RR). Os senadores disseram a Padilha que topam costurar umasolução de meio termo entre o modelo de redistribuição sugerido pelogoverno e as regras aprovadas na Câmara pela emenda dos deputados IbsenPinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto, do PPS-MG (veja quadro).

A dupla de senadores ouviu de Padilha a disposição do governofederal para o debate, mas a intransigência quanto à aprovação do marcoregulatório do pré-sal em 45 dias. O Senado terá o mesmo tempo paraachar uma solução sobre a polêmica dos royalties a emenda aprovada naCâmara traz prejuízo de R$ 7 bilhões somente para o Rio de Janeiro.Aceitamos abrir mão de parte do que seria destinado aos estados emunicípios produtores pela proposta do governo desde que seja mantidauma compensação justa. O ponto de partida tem de ser o modelo sugeridopelo governo e não pode atingir áreas já licitadas, defendeCasagrande.

A série de reuniões com senadores é uma mudança significativa naestratégia adotada pelo Planalto na época em que a discussão tramitoupela Câmara. Confiando em maioria folgada na Casa, o governo preferiuempurrar a discussão dos royalties, certo de que a emenda Ibsen/Soutocairia. O governo agiu como autista ao desconsiderar a emenda e agoracorre para traçar nova estratégia, admite o senador Inácio Arruda(PCdoB-CE).

Sem chances No Senado, uma outra proposta, de a União tirar uma fatia de suacota nos royalties para ressarcir estados e municípios produtores,parece natimorta. A emenda protocolada pelo senador Pedro Simon(PMDB-RS) foi solenemente desconsiderada na reunião de Lula com oslíderes partidários, na segunda-feira. Ontem, a pá de cal foi postapelo líder do governo, Romero Jucá: Já retiramos recursos da Uniãoquando o percentual pago por royalties passou de 10% para 15%. Essedinheiro fará parte de um fundo a ser aplicado no Brasil. Cortá-loseria tirar dinheiro da educação, saúde, cultura, listou Jucá.

No início da noite, o presidente do Supremo Tribunal Federal,Gilmar Mendes, visitou o Congresso e aproveitou para reforçar queconsidera a emenda Ibsen/Souto inconstitucional, por mexer comcontratos já assinados. Principal defensor da proposta no Senado, PedroSimon preferiu provocar o ministro. O Gilmar Mendes gosta de aparecer,ser manchete, já está com saudades do cargo. É estranho o presidente doSTF opinar sobre algo que desconhece, mas é o estilo dele, criticou.

As cifras da discórdia

Proposta original de divisão dos royalties apresentada pelo governo União - 22% Estados e municípios produtores - 34,5% Municípios e estados não produtores - 44%

Emenda Ibsen/Souto, que acaba com a divisão privilegiando estados produtores União - 50% Estados - 22,5% Municípios - 22,5%

Personagemda notícia Chororôconsciente

O governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB),não conta com a simpatia de boa parte dos senadores, mas demonstra que,por trás do choro público da semana passada, conserva uma boa carta namanga para pressionar o Palácio do Planalto: o terceiro maior colégioeleitoral do país. A entrada em campo do presidente da República, LuizInácio Lula da Silva, para tentar pôr fim à crise pode ser creditada naconta de Cabral como vitória pessoal, resultado de uma estratégiaarriscada, registre-se.

A reação intempestiva pintou boa parte dos parlamentares favoráveisà redistribuição dos royalties como inimigos do Rio de Janeiro. Emfranca minoria no Congresso Nacional o estado só conseguiu o apoiodeclarado da bancada do Espírito Santo , Cabral decidiu inflar a crisecom 150 mil fluminenses nas ruas do centro da cidade na semana passada.

O estado não pode ser desperdiçado, ainda mais com uma candidata apresidente, Dilma Rousseff, com dificuldades anunciadas nos doismaiores colégios eleitorais do país: São Paulo e Minas Gerais. PerderCabral e o Rio seria uma marola difícil de se transpor. Os sinais doPlanalto indicam que Cabral tomou a dianteira na questão, mas aindaterá de chorar um bocado para dobrar o Senado. (II)