Título: Para analistas, votação reflete insatisfação da AL com Brasil
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Especial, p. A18

Especialistas em relações internacionais avaliam a derrota do candidato brasileiro na eleição para diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) como uma "manifestação contra o Brasil" dos demais países da América Latina. O episódio foi considerado umas das piores derrotas diplomáticas do atual governo e lançou dúvidas sobre a possibilidade de o país conquistar um assento permanente no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Luiz Olavo Batista, membro do Órgão de Apelação da OMC, ficou surpreso com a união da América Latina contra um candidato brasileiro e afirmou que pode ser um sinal da necessidade de o país rever sua política para o continente. "Foi uma manifestação de desagrado com a política externa brasileira", diz. A América Latina é prioridade para o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), que elegeu como principal projeto a formação da Comunidade Sul-Americana de Nações. Desde o início do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se posicionou como um líder dos países em desenvolvimento. Os especialistas consideram, no entanto, que essa liderança gerou uma tensão na região, pois os demais países acreditam que o Brasil age de forma impositiva. "Quanto mais estatura internacional o Brasil ganha, fica menor sua estatura na região", avalia o consultor Mário Marconini, que trabalhou oito anos como economista na OMC. Para Amâncio Jorge de Oliveira, diretor de pesquisa do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni) da USP, o Brasil obteve um ganho substantivo ao conquistar apoios da envergadura de China e Índia durante a eleição. "O problema é que essas alianças, ao mesmo tempo que proporcionam poder, geram resistência", diz. Conforme os especialistas, outro sinal da insatisfação dos vizinhos com a política externa brasileira foram as declarações veementes do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, contra a ambição brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O México também é contrário à entrada do Brasil. "Se você não tem o apoio da sua região, é complicado", diz Marconini, referindo-se tanto à eleição da OMC quanto ao conselho de segurança. Os países latino-americanos não interferem diretamente na reforma da ONU, mas podem levar os membros-permanentes do conselho a se opor a entrada do Brasil para não provocar atritos na região. Conseguir uma cadeira no conselho é das principais metas da diplomacia de Lula. Alguns especialistas consideraram a saída do candidato brasileiro como uma das piores derrotas diplomáticas do atual governo. Com o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa fora do caminho, aumentam as chances de Pascal Lamy, candidato da União Européia, apoiado pelos Estados Unidos. "Haverá uma concentração oligárquica de poder que não nos interessa", avalia uma fonte, referindo-se a predominância de europeus e americanos em órgãos internacionais: o espanhol Rodrigo Rato, no Fundo Monetário Internacional (FMI), e o americano Paul Wolfowitz, no Banco Mundial (Bird). O ex-ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer, lamentou o resultado em função das qualidades de Seixas Corrêa para o cargo. Ele também acredita que o Brasil poderia ajudar nas negociações da Rodada Doha, pois é um país comprometido com o sistema multilateral e com capacidade de construir consensos. Marconini também avalia que Seixas Corrêa seria um excelente diretor-geral, mas ressalta que a estratégia brasileira foi "muito arriscada". Ele se refere ao fato de o Brasil lançar sua candidatura depois que muitos países latino-americanos já haviam se comprometido com o uruguaio Carlos Perez de Castillo. Para o consultor, a diplomacia brasileira estava confiante, pois colecionava vitórias como o acordo-quadro em agricultura, a formação do G-20 e as vitórias contra os subsídios americanos ao algodão e europeus ao açúcar. Só que a entrada de Pascal Lamy na corrida pela diretoria do órgão desequilibrou o jogo, pois a União Européia consegue mobilizar países da África, Caribe e Pacífico que possuem laços quase coloniais com o bloco. O lançamento dos candidatos uruguaio e brasileiro expuseram ao mundo as fragilidades do Mercosul. "É um indicador adicional, mas muito substantivo, do desafio de retomar a coordenação do Mercosul", avalia Amâncio Oliveira.