Título: Derrota na disputa pela OMC pode afetar articulação em Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Especial, p. A18

Certas derrotas têm conseqüências. A eliminação do candidato do Brasil na disputa para diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma delas: é o maior fiasco diplomático do governo Lula até agora, com potencial para chamuscar a influência e a capacidade de articulação do país na Rodada Doha. A falta de apoio regional pesou forte para o candidato brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa ser empurrado para fora logo na primeira rodada de consultas para a escolha do futuro diretor-geral da OMC. Além disso, o país ficou isolado. Na sexta-feira, quando tentava reagir à eliminação acelerada de seu candidato, só China e Índia acompanharam seu questionamento sobre a transparência no processo de seleção. A derrota de Seixas na OMC confirma que o país está com problemas inclusive na área mais próxima, o Cone Sul. Em menos de um ano, esta foi a segunda derrota diplomática do governo Lula na cena multilateral por não contar com o apoio dos vizinhos. A primeira foi na Organização Internacional do Trabalho (OIT) em junho do ano passado. O governo gastou meses articulando a conquista da presidência da entidade, pela carga simbólica para o governo dirigido por um ex-sindicalista. O cargo era destinado em 2004 à América Latina. Mas o candidato brasileiro, o ministro Ricardo Berzoini, foi derrotado por um ministro da República Dominicana apoiado pelos Estados Unidos e México, que apareceu semanas antes. O brasileiro perdeu por 14 a 12. O Haiti, para onde o país estava enviando tropas na missão de paz, mudou seu voto em cima da hora. O sócio Paraguai sequer apareceu. Na cena comercial em Genebra, uma opinião amplamente compartilhada é que o lançamento da candidatura à OMC não teve o selo de qualidade histórica da diplomacia brasileira. "Ela teve 90% de audácia e só 10% de realismo e não dá para repetir isso nas negociações de Doha", resume Rubens Ricupero, o outro brasileiro que chegou a ter sua candidatura formalizada para disputar a OMC, em 1995, mas foi retirada após o escândalo das parabólicas. "Sacrificaram por nada aquele que é o inventor e o articulador do G-20". A candidatura Seixas Corrêa veio muito tardia e não foi precedida de consultas necessárias para aferir se teria condições de prosperar, estimam diferentes analistas, incluindo Ricupero. "O governo deve enfrentar essa realidade penosa, admitir que errou e procurar aprender com isso", diz ele. Mas importantes personagens da esplanada dos Ministérios reagem, contestam acusações de "vexame diplomático" e apontam, "sem ressentimentos", a Argentina como um dos países que contribuíram para o fiasco. Em setembro do ano passado, diante do crescimento da candidatura do uruguaio Carlos Perez del Castillo, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, telefonou para Seixas para apontá-lo candidato. Seixas aceitou imediatamente como uma "missão", como sempre repetiu. Amorim então telefonou ao chanceler argentino Rafael Bielsa. A versão é de que Bielsa não falou em acordo com o Uruguai e disse que ia procurar o presidente Kirchner só para confirmar o apoio ao Brasil. Mas quando a candidatura brasileira foi lançada, a Argentina argumentou que já tinha compromisso com Castillo. A suspeita é de barganha: em troca, o Uruguai fica contra a entrada do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas. "Há quem fale em traição, mas não havia promessa escrita da Argentina", reconhece uma fonte. No entanto, diz que o Brasil "foi induzido a acreditar" que teria o apoio do parceiro inclusive para pressionar o Uruguai a retirar a candidatura. Tampouco houve apoio incisivo e público desde o início de países como China, Índia, África do Sul e do resto do G-20 não comprometido com Castillo. O cenário da disputa na OMC é desconfortável para o Brasil. Para o país, a redução dos subsídios agrícolas é a prioridade "numero um, numero dois e numero três" na Rodada Doha. Foi por isso que o Itamaraty não cessou de explicar sua candidatura própria para se contrapor a Castillo, acusado de ter feito o jogo dos Estados Unidos e da União Européia na negociação agrícola em Cancun. O Itamaraty pode estar perto de conseguir seu objetivo de derrotar Castillo. A situação enfraqueceu o candidato uruguaio e seu resultado na primeira rodada tampouco é favorável: ficou em terceiro lugar e pode ser o próximo eliminado. Mas os dois candidatos que sobram - o francês Pascal Lamy e o mauriciano Jaya Krishna Cuttaree - são os menos comprometidos com os objetivos do Brasil de profunda liberalização agrícola. Lamy foi um dos responsáveis diretos pelo veto a um brasileiro na presidência do Comitê de Agricultura da OMC, há alguns anos, por considerar inaceitável que um país com tal aspiração liberalizadora na agricultura pudesse ter o cargo. O vetado foi o então embaixador junto à OMC, Celso Amorim. Decepcionado, Amorim passou semanas sem pisar na OMC. Em Brasília, Amorim negou, na sexta, que o fiasco da candidatura vai enfraquecer o G-20. Interpretou que o seu fim pode até ajudar. "Isso nos libera a dar mais esforço à coordenação do G-20", disse. (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)