Título: Anatel e operadoras emperram regras sobre competição
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Empresas &, p. B6

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deve preparar, até o fim do ano, as regras para a portabilidade numérica, ou seja, a possibilidade de o cliente mudar de operadora mantendo o número de telefone. As regras não devem ser implementadas antes de 2007. A portabilidade está prevista nos contratos de concessão assinados pelas operadoras na privatização, em 1998. A discussão arrastada é uma amostra da dificuldade de se chegar a um entendimento no setor de telecomunicações quando o assunto é competição, especialmente na telefonia fixa. Com interesses díspares entre as empresas, as decisões demoram a sair. De um lado, as concessionárias de telefonia local brigam para não perder sua posição dominante. De outro, novas operadoras enfrentam barreiras para crescer. Temas como portabilidade e abertura das redes das concessionárias para uso pelos concorrentes - práticas comuns em outros países - pouco avançaram desde a privatização. "Se continuar a idéia de que acordos são viáveis nas questões de competição, não vai se chegar a lugar algum", afirmou Luiz Tito Cerasoli, diretor de assuntos regulatórios da Embratel e ex-conselheiro da Anatel. O executivo participou de seminário sobre portabilidade na sexta-feira, em São Paulo. Até agora, a Anatel tem adotado uma postura conciliadora, ouvindo as operadoras antes de tomar uma decisão detalhada. "A agência procura que as coisas caminhem para uma solução comum", disse Pedro Jaime Ziller, conselheiro do órgão regulador, também durante o seminário. É diferente, por exemplo, do que faz a FCC - órgão regulador nos EUA -, que tem uma postura mais impositiva sobre o que fazer e deixa o como fazer a cargo das operadoras. "Os EUA têm mais tradição de resolver as coisas no mercado. O Brasil ainda é muito regulado; a abertura só começou nos anos 90", justificou Ziller. Cerasoli, da Embratel, disse que o país já perdeu duas chances de implantar a competição no setor. A primeira foi com a criação das "empresas-espelho", que deveriam ser um contraponto às concessionárias. A segunda foi com a antecipação das metas de universalização - a Anatel esperava que depois dessa fase as operadoras atuariam umas nas áreas das outras, o que não ocorreu. A terceira possibilidade, disse o executivo, está aberta agora e é a renovação dos contratos de concessão, que ocorrerá em 2006. "Se for desperdiçada, levará muito tempo para aparecer outra chance", disse. Na avaliação de Cerasoli, a Anatel deveria estabelecer "métricas" para questões relacionadas à competição entre as teles. O executivo da Embratel quer também que o debate de questões técnicas seja separado da análise comercial. "O aspecto comercial tende a paralisar a discussão técnica." A sugestão, no entanto, foi rechaçada por Ziller. "Não dá para separar o comercial do técnico. A Anatel não pode propor uma coisa sem saber como viabilizar", afirmou o conselheiro. Para o diretor de estratégia regulatória da Telemar, Ércio Zilli, é inviável estabelecer novas regras sem definir como pagar a conta. "É muito fácil dizer que vai fazer uma maravilha e não se preocupar com quem vai pagar", afirmou, referindo-se à portabilidade. "Ninguém falou quanto custa esse negócio e talvez não interesse falar." Carlos Alberto Nunes, vice-presidente de assuntos regulatórios da GVT, disse que a demora na implementação da portabilidade prejudica as "empresas-espelho". "Já estão se completando quatro anos de discussão. A portabilidade é um direito do cidadão, mas também da empresa 'entrante', que contava com isso quando fez investimentos." A portabilidade numérica - na telefonia fixa, na móvel ou em ambas - já funciona em 28 países, segundo levantamento da consultoria Yankee Group. Ziller disse que a Anatel deverá colocar as regras para portabilidade em consulta pública em dois meses e o objetivo é concluir a fase de regulamentação até o fim do ano. Implantar o sistema levará outros 12 a 18 meses. "É um prazo razoável", afirmou o conselheiro. Até agora, entretanto, a agência tem poucas definições sobre o modelo que pretende adotar. Uma das diretrizes do modelo discutido pelo órgão regulador é permitir a manutenção do número dentro das áreas locais (municípios onde não há cobrança de longa distância nas ligações).