Título: À moda mineira
Autor: Figueiredo, Lucas
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2010, Política, p. 2

No xadrez político com Serra pela definição da chapa tucana, lançamento da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, exalta a vitalidade de Aécio Neves no segundo maior colégio eleitoral do país

José Serra (E), ao lado de Alencar, Itamar Franco, Aécio Neves, Gilmar Mendes e Asfor Rocha, teve de ouvir três vezes os gritos de ¿Aécio presidente¿

No ninho tucano, haja gelo para injetar nas veias... Se até então era o governador de São Paulo, José Serra, quem pressionava o governador de Minas Gerais para que este aceitasse ser o seu vice na chapa presidencial do PSDB na eleição de outubro, ontem Aécio Neves virou o jogo. Na inauguração da Cidade Administrativa Tancredo Neves ¿ evento milimetricamente coreografado para exaltar a importância de Minas no cenário político nacional e a musculatura de Aécio no jogo sucessório ¿ Serra, que ainda reluta em assumir a candidatura e vê ameaçada a liderança nas pesquisas de intenção de voto, foi pressionado durante duas horas, na frente de 8 mil pessoas, a ceder a vaga ao colega mineiro. Ao lado de Aécio, por três vezes, um impassível Serra ouviu um coro de milhares de pessoas a gritar: ¿Aécio presidente, Aécio presidente, Aécio presidente... ¿.

Os símbolos já indicavam que Serra cairia num alçapão. Afinal, Aécio inaugurava uma ¿cidade administrativa¿ projetada por Oscar Niemeyer(1) (como Juscelino Kubitschek fizera em Brasília há 50 anos) justamente no dia em que Tancredo Neves completaria 100 anos. As efemérides e a evocação direta aos dois ex-presidentes mineiros eram suficientes para transmitir a mensagem política do evento. Mas Aécio fez mais. Em seu discurso, relembrou os demais mandatários da nação que saíram das montanhas das Gerais: Afonso Pena (1906-09), Venceslau Brás (1914-18), Delfim Moreira (1918-19), Artur Bernardes (1922-26) e Itamar Franco (1992-95).

É provável que Serra soubesse da arapuca. E provável também que tenha decidido encará-la por pura falta de opção, já que corteja Aécio e os 14 milhões de votos de Minas, segundo colégio eleitoral do país. O governador, contudo, talvez não imaginasse que seria massacrado pelo ¿espírito de Minas¿. Sim, foi um massacre de signos.

Já na chegada à Cidade Administrativa, o governador paulista foi bombardeado com a visão de mais de 400 bandeiras do estado na rodovia MG-010. Depois, ao caminhar ao lado do governador mineiro até as cadeiras reservadas às autoridades, viu que Minas até podem ser muitas, mas o candidato do estado é um só: Aécio. Foram certamente os 100 metros mais difíceis para Serra nos últimos anos. No trajeto, escutou o hino do estado (Oh! Minas Gerais...) misturado a um lúgubre repicar de sinos e assistiu ao governador mineiro ser ovacionado pela plateia. Ainda na metade do percurso, os signos foram substituídos por um recado explícito: milhares de vozes a gritar: ¿Aécio presidente, Aécio presidente, Aécio presidente... ¿. No edifício Tiradentes, debaixo do maior vão livre do mundo, com 147 metros, Serra não mexeu um músculo. Mas para quem alimentava a esperança de ter o governador mineiro como seu sub, foi um nocaute.

Já sentado, teve de engolir mais símbolos, como a música Peixe Vivo (a preferida de JK), um áudio com a voz de Tancredo (¿O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade...¿) e um vídeo institucional com o bordão publicitário do governo do estado: ¿Minas mostra o caminho¿. Era só um slogan, mas parecia provocação. Era a vez de Aécio falar, informou a madrinha da cerimônia, a atriz Christiane Torloni. De gravata vermelha, o governador subiu ao palco. Parece mentira, mas aconteceu: a chuva que até então caíra fina e insistentemente parou, e as nuvens cinzas deram lugar a um sol abrasador, emoldurado por um céu azul. No palco, um orgulhoso Aécio Neves anunciou: ¿Temos aqui hoje as maiores autoridades da República¿. De fato, lá estavam o vice-presidente, José Alencar, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, seis governadores e dezenas de deputados federais e senadores ¿ todos a testemunhar o suplício de Serra.

Ainda no começo da fala, o governador de Minas foi mineiramente solidário com o colega. Primeiro, tratou-o por ¿grande companheiro e amigo¿. Depois, resgatando-o da vexação, saudou-o: ¿Seja muito bem-vindo a Minas Gerais¿. Serra, então, foi aplaudido

Recados Ainda no palco, Aécio mandou uma mensagem, como costumam dizer os cronistas políticos. Citando Afonso Arinos, afirmou que a história não é o passado tampouco o futuro. ¿O tempo da história é o sempre¿, disse. O que isso quer dizer, ninguém sabe. Uma frase elástica o suficiente para caber em todas as elucubrações sobre seu futuro político. Aécio será candidato ao Senado? (Ele diz que sim.) Aécio será candidato a vice? (Ele diz que não.) Aécio será candidato a presidente? (Ele diz que não, também.) Mas quem há de saber? O tempo da história é o sempre. Ao fim de sua fala, o governador mineiro deu vivas a Tancredo e a Minas. José Alencar fez um discurso protocolar e a cerimônia finalmente foi encerrada por Milton Nascimento, que cantou Para Lennon e McCartney (¿...sou do mundo/sou Minas Gerais¿). Serra foi então tragado pela multidão e pelas autoridades que se dispersavam. Foi-se embora sem discursar (não foi convidado a fazê-lo) e sem dar uma entrevista coletiva.

1 - Niemeyer ausente Autor do projeto arquitetônico da Cidade Administrativa, Oscar Niemeyer, de 102 anos, residente no Rio de Janeiro (RJ), não pôde comparecer à inauguração. Mas nem por isso ficou longe da festa. Por meio do seu neto, o administrador Carlos Oscar Niemeyer. ¿Agora, Belo Horizonte, Niterói (RJ) e Brasília (DF) são as cidades com maior número de obras do meu avô¿, disse Carlos Oscar, responsável pela administração do escritório de arquitetura de Niemeyer. ¿O meu avô está bem de saúde, mas, como não viaja de avião, teria que vir do Rio de carro, o que seria muito penoso para ele¿, disse Carlos Oscar.

O número 8 mil Quantidade de pessoas que acompanharam a cerimônia em Belo Horizonte

Análise da notícia Elegância tradicional

A elegância, muitas vezes tão distante da política, venceu a arrogância de parte da oposição, que insiste em apresentar cartas marcadas, quando o cenário político pede sabedoria, em lugar da imposição. Na solenidade de inauguração da Cidade Administrativa, os gritos da plateia de ¿Aécio presidente¿ não foram capazes de tirar do governador a velha tradição conciliadora de Minas. Ao contrário, Aécio deu exemplo e fez questão de afagar seu ¿amigo¿, entre aspas porque foi palavra sua no discurso, governador de São Paulo, José Serra (PSDB). É mais um sinal que explica o temor do Palácio do Planalto de enfrentá-lo nas urnas. Com Aécio, fica muito mais difícil fazer a comparação tão desejada pelo presidente Lula com a gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em seu discurso, o governador de Minas fez um passeio pelo passado honrado e pela rica história de Minas, da defesa da democracia com Tancredo Neves ao desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, entre tantos outros presidentes. Era um olhar para o passado de gente que enxerga o futuro.